sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Retrato a tinta da china



Planta sombras em noites de lua cheia
E colecciona mágoas entre folhas de livros
Transforma monólogos em conversas ao espelho
E discursa em travessas empedradas cheias de ninguém
Ansiosamente procura a solidão
Raramente tem o prazer de a encontrar
A paz é uma palavra muito curta
Para ser mantida
E a liberdade só chega no fim
Perdeu o mapa do amor num jogo de póquer
E rega esquinas em noites bastardas
Não tem norte, não tem rumo
Não cultiva o aprumo
Não é ninguém e ninguém tem
Atreve-se a pensar que é alguém
Mas apenas quando lhe convém
Fala no gume fino de uma navalha romba
(Herança do tempo vivido)
Tem-se a si e pouco mais
Diz-se muito bem servido
Ele, um fado, um copo de vinho e um trompete desalinhado.




Do efeito colorido do pó


Amo-te hoje porque amanhã não existe
E preciso sentir-te como as flores precisam do orvalho da manhã
O teu aroma é como o cheiro húmido da terra
Fértil, ávido de vida e de calor
Amo-te sem to saber expressar
Trôpego na ansiedade de te sentir
Carente dessas mãos presas nas minhas mãos
Até que o dia chegue ao fim
Porque amanhã não existe
Amo-te e, nesta ânsia de te ter
Esqueço a fome, esqueço o ar
Só preciso saciar a sede insana no teu olhar
Num sorriso, numa lágrima, num esgar de desdém
Amo-te hoje e para além da morte
Porque esta existe e amanhã é uma incógnita
(E o pêndulo não pára)