quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Loucura 3 - Medos

É quase fim de ano; quase fim de ciclo, cada vez mais quase um fim.

É doloroso pensar no fim; mas este é o fim de ano, chamemos-lhe assim. E assim alcunhado deixa de ser doloroso e passa a ser alegre, um pouco melancólico talvez, mas supostamente divertido.

Por isso ergam-se os copos cheios de nada, brinde-se a coisas vazias de significado e embriaguemo-nos de uma falsa esperança.

Haja paz na terra e silêncio nas campas; o mundo é um imenso cemitério...

a preto e branco

E não convém incomodar os moradores.





Loucura 2- A tristeza

 

Ela chega, instala-se e apodera-se

Ela cativa, envolve e alimenta

Uma vez sentida jamais deixarás de a querer

Torna-se a tua droga,

A tua cama acetinada

O teu horizonte mais brilhante

E tu procura-la, mais e mais

Tornam-se inseparáveis

A tristeza esconde-se nos teus olhos

Insinua-se no teu sorriso baço

É a tua bengala

Tentas esconder

Negas o seu domínio

Inutilmente

És a tristeza embalada por uma solidão fria,

Negra, profunda e doentia

É o fruto do teu desespero

E respiras desesperadamente a melancolia

Que te mantém vivo

Mas sorris, sorris sempre

Mesmo na mais profunda fase de tristeza

Quando mais aperta a solidão

Sorris.

Esse esgar de dor disfarçado de esperança

Sorris uma multidão de medos

Sorris as fraquezas que alimentas

Sorris da tua triste condição



quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Loucura 1- O labirinto

 

Tenta não pensar,

Não queiras relacionar 

Esvazia a cabeça,

Respira fundo e não penses

Dor, sofrimento, desespero

Mágoa, desencanto, traição

Um labirinto de emoções

Que se estreita com o tempo

Sem nexo, sem saída

Tens a noção?

E falta-te o ar,

Pareces estar a sufocar

Tenta não pensar, deixa andar

Liberta a mente

Mente

Ri descontroladamente

Bebe muito e rapidamente

Vale tudo o que te impeça de voltar

A pensar




quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Dezembro

 

Este é o mês do princípio das coisas

É o momento zero e os seguintes

É frio, é chuvoso, cinzento

É meu

Este é o mês do meu íntimo

É o meu novelo de emoções

É quando mais desaguam os meus sentimentos

E mais expostas estão as minhas fraquezas

Este é o cordão umbilical

Que me liga à terra,

que me faz sentir barro

E é meu

Sendo o último, é o que me faz ser primeiro

É curto de luz e longo de sombras

Tem o som de um piano

E a cor das suas teclas

Facetadamente melancólico

Este é o meu principio

 E este sou eu



quarta-feira, 23 de novembro de 2022

À deriva

Há quem tente

Quem saiba o quanto sente,

E que quem ama não desiste

Mesmo quando ama sozinho

E há quem hesite

Quem não faça um esforço

Para entender o que deveras sente

Seja por medo ou covardia

E quando finalmente se atreve,

Quase sempre é tardia

A assunção há tanto contida

Que também ama, que deseja partilha

É apenas mais um sonho perdido

Dois barcos que se cruzaram

Neste mar tão revolto

Um quer que o outro volte

O outro já não tem por que voltar


domingo, 20 de novembro de 2022

Dias cinzentos

 Há dias cinzentos,

Dias de pensamento rebelde

Onde a tristeza se instala,

Onde a memória te desobedece

E traz-ta de volta à ideia 

Recordas o que foram e deixaram de ser

E dói-te senti-la de novo

Sabendo que já te esqueceu

Sentes-lhe os lábios

Esses lábios quentes e húmidos

E o seu cheiro envolvente

E esses dias tornam-se chuvosos

São dias dolorosos 

Em que te odeias por sentir

Quem há muito deixou de te pensar



sexta-feira, 28 de outubro de 2022

O sorriso

 

Ela veio suave, instalou-se na minha vida

E deu-me carinho,

Deu-me o prazer do amor

Deu-me também um sorriso.

O mais belo e rasgado sorriso alguma vez pintado

Foi um tempo que parece agora ter sido um momento

Um tempo de dar, um tempo de partilhar

Também me deu um motivo, trouxe com ela uma razão

E tudo se encaixava na perfeição

Ela partiu de repente

Sem um motivo, sem explicação

Deixou-me um vazio, um frio gélido

Um tempo por acabar, como se fora uma ilusão

Mas deixou-me o sorriso

Esse sorriso rasgado, jamais pintado

E uma insaciável solidão



segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Devagar

Sente a vibração no ar

É outubro, é outono

Sente a flor a mudar de cor,

Devagar

É tempo de sentir o tempo a passar

A flor murcha,

Devagar

A vida flui pelo ar

O dia arrefece,

O mar enfurece

É o tempo que muda

É a vida a vibrar

Sente-o no ar

Antes que o inverno venha

A folha vai acabar por cair,

Devagar

Em rodopios suaves,

Numa dança sem vida

Num tempo que murcha,

Sem o sentir definhar

A noite insinua-se,

Devagar

O escuro conquista

As frias paredes desta casa a tombar,

Lentamente

Sei que assim é,

Da vida e da morte

De perder e amar

E se amar é perder…

Devagar, muito devagar

A luz do farol,

Lá longe

Já não protege,

Nem mesmo aconchega

O coração cansado

Que bate,

Que ainda bate

Bem devagar

Esperando, qual Outono,

O inverno chegar

Com a brisa húmida do mar



sexta-feira, 30 de setembro de 2022

O poder do som e da letra

 



Quando oiço esta música, que adoro, pergunto-me sempre: -A qual delas se refere ele?

Se fosse dirigido a mim confesso que não saberia a que casa voltar. É que ao longo da nossa vida mudamos tantas vezes de casa e em cada uma deixamos uma mala de nós. Um ente querido morre e a nossa casa imediatamente muda e uma mala se perde; um amigo desaparece e a casa muda de novo e mais uma mala ficou para tras; um amor que acaba, que esmorece ou que arrefece e a casa muda e uma montanha de malas...
Um filho que sai, um animal de estimação que falece.
Voltar para onde? Já vivi em tanto lado e por causa disso quantas vezes não morri? Quantas malas de mim eu perdi?
Há apenas uma casa a que poderei regressar e um dia assim farei, porque assim terá de ser. E acredito que lá estarão, bem arrumadinhas por ordem cronológica, todas as malas que deixei em cada casa que perdi.
Enquanto esse dia não chega, não me canso de ouvir os One Republic interpretar esta música.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Da fragilidade de ser

 

Abraça-me com força,

Segura-me, não permitas que caia

E nesse abraço protector

Empresta-me um pouco do teu calor

Porque me sinto vazio

E um pouco de carinho

Pode alentar-me o caminho

Que ainda tenho de percorrer

Olha-me, olha-me nos olhos

Como quem olha alguém

E nesse olhar dá-me a esperança

De voltar a ter um ideal

E, se não for abusar muito,

Peço que me dês a mão

E que a força desse aperto

Me faça sentir um homem novamente

E quando por fim te afastares

Deixa para trás o teu perfume.

Apenas um pouco desse perfume

Para que por mais uns momentos

Nele me possa a embriagar.




Esse Jardim

 

Senta-te e observa bem quieta

Como a tarde cedo anoitece

E a temperatura do ar arrefece

Devagar, ao ritmo do tempo

 

Não fales, escuta o ruido do teu silêncio

Ou como as folhas coloridas se agitam

Ao som da brisa outonal

 

Escolhe um jardim e um banco

Esconde-te à vista de quem passa

Torna-te um elemento da paisagem

Fecha os olhos e sente

 

Sente o tempo a passar,

As horas a contar

(ao ritmo a que só as horam sabem contar)

E deixa-te ficar até a noite cerrar

E o escuro te abraçar

 

Algo está algures a findar

Não temas, é apenas a vida a cumprir-se

E nessa escuridão tardia

Aconchega a tua cabeça

Sossega o teu coração

E deixa-te estar

 

Há um dia por chegar

Há uma noite por ficar




sábado, 17 de setembro de 2022

Se ao menos existisse o tal se

 

Há quem diga que há seres destinados a cruzar-se o número de vidas necessárias para que se cumpra o desígnio que lhes está destinado.

Eu acredito que só se vive uma vez, e cada escolha é única e irrepetível. O que não se partilhar nesta vida, nunca voltará a ser possível.

Felizes dos que acreditam…

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Não sei recriar o passado

Não posso corrigir situações

Posso, sim, sentir como seria

Se recriado fosse o momento

De que hoje me lamento

Tantos anos depois

Há quem fale em destino

No tal fado fadado

Numa força maior

Eu simplesmente acredito

Que há escolhas na vida

Que se fazem uma vez

E não se colocam depois

E é este o mistério,

A graça, a especiaria

Que torna tão especial cada vida

Nunca sabermos como seria

Se em vez de um não saísse um sim,

Ou se o olhar fosse para ti

E não para algo mais além.

Não quero recriar o passado

Tenho comigo as emoções

E as imagens que marcaram

Tudo o mais são ilusões



terça-feira, 13 de setembro de 2022

Cinzento escuro

 

Penso no pouco que me resta

Do tanto em que me dividi

Tão pouco,

tão espalhado

Sombra de um pecado

Sendo pouco sou nada

Nada sendo do que pareço ser

Uma mentira no espelho

Uma solução de continuidade

Algo que não sabe o que é

Não importa se é fragmento

Se o todo não é


Penso no fragmento

Tão pouco, 

tão espelhado

Na mentira que criei

De cada vez em que me dividi

Em algo,

Numa sombra

No nada 

No quanto resta de mim







sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 

Não esmoreças,

Não desanimes.

Por pior que as coisas se apresentem, não percas a compostura.

E continua, e vai em frente

Porque a verdade é que tudo tende a piorar

A esperança é um mito

E a vida significa morte

Mas não esmoreças, não desanimes.

Engana-te propositadamente

E diz para ti mesmo: “podia ser pior”

Mesmo não sendo e se for possível ser, será

E tu saberás.

Cabeça erguida,

Olhar em frente,

Não vaciles

E tem fé:

Com sorte a morte virá cedo



quarta-feira, 10 de agosto de 2022

My house

 

Na casa dos meus pais as paredes secaram

Essa foi a minha casa enquanto eu fui dos meus pais

Havia vida no chão de madeira; ripas antigas; algumas rangiam até de noite

Mas as paredes tinham vida

Na casa dos meus pais as tardes eram soalheiras quando não havia tempestades

Os vizinhos eram todos amigos, mesmo os que fingiam

E quase todos fingiam, mas só quando fingiam.

A casa dos meus pais era grande; para mim era imensa.

Tinha muitas divisões e escadas, muitos degraus, vários obstáculos.

Hoje a casa dos meus pais parece-me pequena, embora continue a ter muitas divisões e degraus.

Já não há obstáculos dignos desse nome.

E as paredes, entretanto, secaram mesmo.

Há muito deixou de haver tempestades, mas as ripas de madeira rangem mais.

Há muitos sons na casa praticamente vazia

Eu acho que alguns são ecos doutros tempos.

Em breve a casa que foi dos meus pais e minha e depois só dos meus pais, voltará a ser minha.

Creio que desta vez será só minha, o que pode representar um problema porque as paredes não estão habituadas e eu não sei como reagirão,

As paredes são temperamentais, algumas podem ser mesmo muito.

Mas o que mais temo são os sons que teimam em ficar.



sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Viver é uma felicidade

 

Nasces.

Pela casa é uma alegria contagiante.

Comemora-se o teu nascimento - aplaude-se a tua morte

Nasces, terás um pouco de tudo e muito de algumas coisas

Mas morrerás

O único legado da vida, a única não promessa que se cumprirá,

A única coisa que terás: uma morte

Mas nasces e o mundo é feliz

Estás vivo

Por quanto tempo?

Que interessa se o teu mundo é feliz?

Se fores crédulo ainda acreditarás que a morte é apenas uma passagem

Para uma outra qualquer margem onde, acreditas porque tens de acreditar para manteres alguma sanidade, que serás ainda mais feliz

E o teu mundo sorri

Vives e há um sentido na tua vida, apenas não sabes qual, mas queres acreditar que é algo de maior

E depois morres, mas antes de acontecer, o teu credo abala, os teus medos tomam-te e perguntas-te que sentido teve tudo isso

Sorri, ninguém disse que a vida era fácil

Ela apenas acontece




domingo, 10 de julho de 2022

Um traço

 

Com um traço desenho o limite entre a areia e o mar.

Um traço cada vez mais ténue com o passar dos anos.  Um traço que já foi uma fronteira.

Há nesse traço toda a história de uma vida.

Há toda uma história que envolve vidas. Com um traço desenho limites de vida.

E com esse traço vou à origem, risco sentimentos e sentires.

Um traço

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domingo, 12 de junho de 2022

Em tons de sépia

 

É quase sempre quando te encontras sozinho que ela vem, suave e silenciosamente e se instala.

Apodera-se da tua vontade e controla-te os pensamentos.

És o seu instrumento, um fio condutor entre o passado e o presente, e o passado e o passado mais longínquo.

Leva-te por acontecimentos há muito adormecidos: momentos de felicidade, situações embaraçosas, histórias dolorosas, dores que marcaram, palavras que feriram, palavras que tocaram fundo.

Leva-te a recordar bocas há muto fechadas, sons remotos, porém familiares. Faces que guardas no coração, corações que te fizeram crescer e seres quem és.

Quando ela se instala, sedutora, ficas irremediavelmente perdido; ela é uma droga poderosa que te transporta no tempo, entorpecido. Não resistes; melhor, não tentas resistir, apenas te deixas levar para outras dimensões, caminhos antigos, sentires profundos. Voltas a vielas escuras, húmidas e escorregadias que evitaste lembrar por muitos anos; voltas a sentir sob os pés aquela areia fina e húmida por onde corrias para mergulhar nas ondas do mar, esse mar agreste de águas frias e ondas traiçoeiras cujo cheiro a algas e iodo te marcaram a infância e a juventude. Voltas a sentir a ansiedade e os medos que, em criança, te marcaram fins de tarde (muitas vezes sem qualquer razão de ser). Voltas a ser pequeno e frágil, jovem atrevido e irreverente.

E tudo porque ao longo do tempo procuras cada vez mais estar sozinho, facilitando-lhe a presença, facultando-lhe o domínio, deixando-a possuir-te.



domingo, 5 de junho de 2022

Cinzento profundo

 

Sentes a tristeza possuir-te

Traz com ela uma melancolia que te entorpece

E te deixa levar, fundo, bem lá para o fundo

Sentes a amargura, as imagens doridas

Tudo quanto escondeste bem dentro de ti

E não resistes, não reages. Deixas-te apenas levar

É doce a triste melancolia; embala-te na dor

Pega-te pela mão, pobre criança

Olha-te com os teus grandes olhos tristes

E como te compreendem esses grandes olhos que

De dentro te olham na certeza de que sabes

O quão bela e cativante é a tristeza.

E tu sentes, tu queres

Tu deixas-te ir



terça-feira, 31 de maio de 2022

Silêncios

 

Refugio-me no silêncio da casa desde a tua ausência

A casa mantém o teu cheiro,

Guardou-te a sombra, cuida dela.

O silêncio é o meu cúmplice,

A minha capa protectora,

O manto que me torna invisível

Invisível à tua ausência,

Ausente da tua sombra que tenta perseguir-me pela casa

Essa mesma que mantém o teu cheiro

Estou cativo nesta casa e nem o silêncio onde me refugio

Me protege de ti



domingo, 29 de maio de 2022

Desta minha escuridão em que tanto brilhas

 

A cadeira de verga que almofadaste e colocaste em frente à porta da varanda.

Essa cadeira onde te sentavas ao fim da tarde, naquele período em que o sol nos brinda com um brilho de luz especial, aquele brilho de quem se vai e só volta no dia seguinte.

Esse brilho que se espelhava nos teus olhos quando eu entrava e te viravas de frente para mim.

Era nesse momento que o sol sentia inveja de mim.

Há muito que te foste; a cadeira, essa, continua no mesmo sítio, recordando-me tempos em que eu próprio tive inveja de mim.

Mais ninguém se sentou nela desde esse dia; enquanto me recordar do meu nome ninguém se sentará nessa cadeira de verga por ti almofadada.

Sinto que um dia, quando já eu próprio me tiver “posto” para lá do horizonte da memória, virás como se nada se tivesse passado e te sentarás na cadeira no preciso momento em que o sol te brindar com o seu brilho que, de uma forma muito especial irradiará de teus lindos olhos.

Apenas a lua será testemunha desse desencontro e sei que sentirei uma inveja imensa dessa lua Cheia do teu brilho.

 


sábado, 28 de maio de 2022

666

 

Porque te permites viver a metade do todo que és?

Porque te divides entre a razão e o sentimento

Sabendo que quem perde é o desejo?

Porque te acomodas à estrada que te indicaram

Sabendo que tantas outras há por onde caminhar?

Vejo-te ave de uma só asa;

Saltitas de parapeito em parapeito

Num ensejo imenso de levantar voo e voar

Porque te permites limitar para além do que já te limitam?

Para uns a “segurança” vale mais que a liberdade,

Que o livre arbítrio

Alimentam-se da vã esperança de haver sempre mais um dia,

Mais um dia para mudar, um dia mais onde arriscar

E assim se enganam os sentidos, assim se escraviza a voz da pele

E se caminha seguro pelo caminho comodamente indicado

Na dessegurança de uma vida segura

Até que não haja mais um dia

Nem mais um dia para gastar

E no obituário alguém escreverá: “Era uma excelente pessoa”

Mas perdeu o ensejo de sentir o prazer transcendente

De quem muda de caminho e se atreve a voar.




 

 

 

sábado, 21 de maio de 2022

Sem razão

 

E de repente sentes um misto de desejo e de profunda paz

Durante aquele abraço tão ansiado, demoradamente esperado

Decididamente atrasado.

Mas sabes que aquele pode ser o último

Porque é um abraço clandestino,

Tal como esse é um desejo proibido

Fruto de uma improvável atracção

Mais forte que a razão

E questionas a tua sanidade

E questionas a razoabilidade

E a moralidade

Mas naquele abraço existe apenas o calor dos corpos

O desejo de sentir

A simplicidade do desejo

E a esperança vã que todos os relógios do mundo parem



quarta-feira, 18 de maio de 2022

É isto ser prestimoso?

 Não podes permitir-te ceder ao desejo. Apenas não deixes que os sentidos te controlem.

Pensa-nos como quiseres, mas não deixes que seja em modo de desejo.
O desejo vicia, tolhe a razão e tu gostas de te sentir a controlar os teus actos. Não é que os controles, apenas crês fazê-lo. Não deixes que o desejo,
esse enviesado desejo, te tolha as ideias.
Concentra-te em desejar não desejar que aconteça e não te permitas abandonar a estas mãos.
Já eu anseio que me desejes e que, num momento de obtuso bloqueio te entregues nas minhas mãos e deixes que do teu corpo faça uma tela de sentidos.
Sei que não deves querer, sei que não devo tentar-te,
e, no entanto, desejo-te fortemente e espero que te permitas ceder.
Não o faças, mas se o fizeres, e eu me permitir permitir-te, então não presto.
E eu não presto.



terça-feira, 17 de maio de 2022

Temo isto que sinto

 

Sinto que não te voltarei a ver.

Só que não será como antes,

Quando não sabia que existias.

Antes não te sentia

Agora que te senti, que sei que existes

Agora que te respiro

Sinto que não te voltarei a ver

E temo que o meu sentir seja acertado

E eu que detesto estar errado,

Logo agora quero errar

E quero acreditar, mas temo, que te continuarei a sentir

Mesmo que à distância da impossibilidade

Só que sinto não ser possível

E temo estar errado

E sei que não te voltarei a ver

Nem a respirar

Nem a olhar, apenas por olhar,

Mesmo não te vendo, mas sabendo

Que lá estarás se abrir os olhos

E te quiser olhar

Hoje não me apetece pensar…

 

domingo, 15 de maio de 2022

Até quando?

 

Aconteceu por acaso, como acontecem as coisas que,
por acaso, não são programadas.
E cresceu; cresceu na distância e na proximididade.
Cresceu para lá das fronteiras do país, para lá de paisagens de outras terras,
Sob o testemunho de noites estreladas indescritíveis.
Foi partilha, sintonia, atracção, apoio.
Foi intenso
Foi desejo e loucura, sendo uma história de duas pessoas improváveis.
E um belo dia “desaconteceu”, tão de repente como começou
Tão silenciosamente quanto o distanciamento gerado, com um desagradável gosto a tanta coisa por dizer
Deixou memórias, deixou sabores quentes e doces, dedos que não contam,
olhos que não descrevem.
Deixou um vazio que o futuro jamais preencheu.
(Muitas vezes o futuro acontece tal como não estava previsto).
Eles ainda se sentem na distância; a vida continua para cada um deles
E cada um deles evoluiu noutras vivências, noutros lugares, com outras presenças.
Acredito que hajam incontáveis futuros, mas não creio que esteja previsto um que seja comum aqueles dois.
Ainda assim aposto que o intenso e doce sabor dos lábios permaneça presente até ao fim.
E que de todas as coisas que ficaram por dizer, as que realmente contam, sejam sentidas por ambos.



segunda-feira, 9 de maio de 2022

As formas da dor

 

Sinto esta pressão no peito

Uma força compressiva

Uma sensação opressiva

Uma espécie de desassossego

Sinto que algo falta aqui

Não foste tu, nem foi por ti

Era para ser um afago,

Um carinho em forma de carícia

Uma atenção sentida

Uma expressão de medo

(porque a perda é medrosa)

Mas nada aconteceu

Porque não estavas

E se não estavas não havias

E se não havias que poderia eu sentir

Senão uma pressão, uma força compressiva

Um desassossego, uma forma de medo,

Uma carência de atenção,

Sem afagos, nem emoção

Não, não foste tu

Foi a imagem de ti

Que no espelho não vi

Mas idealizei

E nela acreditei

E assim se forma a dor

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Sendo um idiota

 

Nunca te falei dos segredos do jasmim

Nunca te embalei na ternura com que te olho

Quanto tu não vês

Sinto cá dentro que continuarei mudo

No momento de te dizer

O quanto és jasmim

Ou mesmo tília, em pleno maio

Eu que olho todos nos olhos

Só nos teus os meus cegam

Tal como a voz se apaga

Sem te conseguir dizer

Que és a onda perfeita

A aragem mais suave

O perfume que inebria

Que me és o que começa e acaba

E a razão para haver um horizonte

Para onde caminho

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Nessa chuva tardia

Veio a chuva, 

numa verticalidade tardia

duma forma miudinha

Cheirei-te a proximidade 

por sobre o cheiro da terra molhada

A chuva, essa fina chuva que tarde veio

vertical

Fez-te voltar,

não sei porquê

Temo e olho-te 

para além de ti

só esse manto fino, molhado

E eu perdido

frágil, com medo

de me voltar a perder

irremediavelmente

em ti

E chove 

e eu tropeço nesta angústia

de me entregar (outra vez)

e, de novo, te ver depois partir

E eu não quero voltar a chover




terça-feira, 29 de março de 2022

Vai

 Vai tu à frente; vai e espera porque eu prometo-te que, quando a altura chegar, irei lá ter para voltarmos a percorrer todos os lugares que conheciamos e onde rimos.

Já que vais primeiro aproveita para disfrutar da novidade, toma os teus cafés com açucar, sempre acompanhados de um copo de água e de um SG filtro.
E descansa; sei que nada disseste mas ultimamente tem sido tão duro para ti, tão pesado o fardo da dor silenciosa, que mereces um descanso prolongado.
Vai, vai tu à frente.
Vai e em breve lá estarei também com o meu cigarro de tabaco negro, com o meu sorriso atrevido acompanhando as tuas gargalhadas. Há quanto tempo não te oiço uma.
Vai, eu guardo-te a dor.