segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Da dor e do tempo

 

Sei que nunca te contei

(Porque egoisticamente guardei para mim)

Desse teu jeito tão peculiar ao dormir

Cabeça tombada sobre o meu peito

Sorriso maroto de garota feliz


Sei-te os percursos da pele

De olhos fechados

Caminho acetinado, mapa perfumado

E, enquanto descansas sobre o meu peito sei

Sei que um dia te perderei


Porque não consigo parar o tempo

Porque me é impossível congelar o momento


Um dia, eu sei

Um de nós não mais erguerá a cabeça

Não mais olhará o outro nos olhos

Os mesmos que olhando dizem tanto do amor que não se diz


Sei que nunca te contei

Deste medo de ficar mudo

De querer falar e não ter voz

Do silêncio cego e da ausência

De ti, meu amor.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Estas partes de mim

 

Muitas vezes pergunto

O que seria de mim

Se uma parte do que sou

Viesse a saber da outra parte de mim

E sinto uma angústia,

Um desconforto, enfim

Pensando se, por absurdo,

As duas partes se conhecessem

E falassem de mim

E quando, finalmente,

Cientes do todo, 

Conscientes do que habita em mim,

Que passariam a ser,

Em que todo me tornariam

Estas duas partes de mim

Ai de mim.



 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Sentimentos profundos

 

A rua era estreita e íngreme. As casas, estreitas e altas, escorriam humidade pelas cicatrizes centenárias.

O chão, de calhau rolado, era um ringue de patinagem no inverno. O sol dificilmente descia às pedras e o cheiro a mofo ira como um perfume de marca.

A minha cidade tinha uma parte muito antiga, corroidamente velha, deliciosamente genuína, onde as casas eram testemunhas das estórias vividas naquelas ruas estreitas e essas mesmas testemunhavam muitas cenas caseiras. Eram como as velhas intriguistas, as casas e as ruas empedradas.

No verão, no quente verão da minha cidade, era um descanso passar por essas ruas frescas, amenas, calmantes.

A minha cidade, a minha velha cidade é um misto de encanto e sedução. E é só minha.

Há muito que deixei de a habitar; visito-a, de fugida porque me dói a transformação que se tem operado. Não porque esteja pior, mas porque as minhas imagens dela são outras, são mais bonitas, são vistas pelos olhos de uma criança e pelos de um adolescente e, finalmente de um jovem adulto.

E essas sim, são as imagens da minha verdadeira cidade, aquelas que preservo e amo.

Por isso as suas ruas continuam ingremes e estreitas e as casas suam a sua velha podridão, libertando um perfume bafiento único. E assim igualei a minha cidade, envelhecendo cada um ao ritmo do seu tempo.

É bela a minha cidade, conquistando a serra, afagando o rio que a banha.

E é só minha porque mais ninguém a vê como eu sempre a fui vendo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Loucura 5 - A outra face do amor

 

Parti sentindo a perda

Quebrei o contacto

Desfiz a ligação

Senti a falta

Plenamente vazio

Perfeitamente desfeito

Parti, quebrado, vazio

O tempo passou

O Inverno suavizou

A lua encheu de novo

E hoje olho as cicatrizes

Sem dor

Sei que pode repetir-se

Embora não queira

Mas sei que não domino

Os caminhos da lua

Que seja cheia

Se assim tiver de acontecer



terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Loucura 4 - O Caminho para amar

 

Entre nós há algo mais

Que um simples gostar

Um desafio de palavras,

Um certo olhar desconcertante

Um provocar, um hesitar

Um tudo e um nada

Uma corrida parada

E um louco e inesperado gargalhar

Entre nós há um jogo

Uma linha ténue afiada

Um salto no vazio

Um silencio ruidoso

E um quero-te soletrado

Não assumido, velado

Envergonhado, como se temesse

Tropeçar no próprio desejo

Entre nós não passa o ar

E somos só nós

Com um desejo receoso de ficar