sexta-feira, 1 de maio de 2020

Aquele olhar bucólico



Com um pedaço de carvão e meia dúzia de riscos, esbocei a rua onde cresci. Agora que o tempo mo permite, recordo-a nos contornos apressados do traço e apercebo-me de que era particularmente bonita nas noites de nevoeiro, em inícios de Dezembro, quando o Inverno descia das montanhas, frio como navalhas.

As pessoas eram sombras, os plátanos eram sombras e as sombras, sombras eram de si mesmas.

Eram noites de mistério e emoção; noites de negro cinza e, lá ao fundo, o cemitério com as suas altas paredes e o seu portão de ferro forjado, dominava imponente, ladeado por dois ciprestes.

Nevoeiro vivo em farrapos pegajosos que se ria dos vultos.

E tudo era possível naqueles tempos em que uma calma silenciosa dominava essas noites

E era tão bom vaguear por entre as sombras.

E a lua ria velada naquela meia dúzia de traços a carvão.