terça-feira, 30 de maio de 2023

O reflexo

 

O espelho devolve-me o tempo

Ampulheta acelerada, retrata o que é

Quando eu queria o que foi

O espelho desfeia-me a ideia

Desmente-me a ilusão

Enruga-me a memória

Diz-me, em silêncio, no que me tornei

Espelho, espelho meu

Há algo mais ingrato que a realidade?

Ou serei eu,

Que saudoso do tempo que já foi 

Recuso esse reflexo presente

Pálida imagem de mim

Frio esboço que sobrou

Essa imagem que vejo espelhada

É  tudo quanto resta 

Do que há muito se esfumou



sexta-feira, 19 de maio de 2023

Do fim e da gralha


A gralha, pousada no muro de pedra rachada

Observa curiosa e atenta

O manto escuro, ao fim da tarde

Deitado de lado sobre as costas encurvadas

Agitando-se ao vento

Andando depressa

Coberto de negro, quase de noite

Sob o olhar atento da gralha

Acima das pedras do muro rachado

Que o musgo do tempo mantém de pé

E escuro vai encurvado, sem se saber para onde,

Na negra noite primaveril

O vento sopra de rajada

E da gralha nem rasto.

E da vida nem som

Curvado sobre o abismo,

Manto ao vento, bandeira negra

Réstia de nada

Lá bem longe

Onde já nada existe 

Excepto a gralha




quarta-feira, 17 de maio de 2023

Esgotando o desespero

 

Já nada mais tenho para te dizer

Esgotei as palavras conhecidas

Que pensei dizer-te

E cansei o olhar a adorar-te

Sempre que distraída te apanhava

 

Sequei a esperança de vencer a cobardia

E te expressar o quanto revolves o meu peito

Não,

Não creio que alguma vez venhas a saber

Que por ti seria capaz de ser fortaleza,

Porto de abrigo, braço protector

Um mundo de emoções,

Sentimentos em turbilhão

Um pateta sem jeito,

Um perdido de paixão

 

Por isso,

E porque não consigo amar outra qualquer

Brinco às escondidas com as minhas sombras

Em ruelas estreitas e escuras

No coração da cidade

 Na zona mais profunda da tristeza

Que os meus olhos rasos conseguem atingir

 

E já nada mais há pelo qual respirar