segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

A modos que sim, mas talvez não

 

Hoje fiz que vi, mas não vi

Preferi ouvir e sentir

Aleguei sofrer de síndrome antissocial

Disse que era um problema cultural

E fiquei de parte a contemplar

As ideias que não vinham,

Acabadas de chegar

Hoje recusei ousar,

Tive medo de arriscar

E fiquei de lado a observar

O suave movimento do ar

Hoje atrasei o relógio adiantado

Peguei num copo amassado

E com ele na mão menti,

De um modo descarado

E senti-me mais humano, mesmo ousado

E pensei para comigo,

Num tom de voz mental,

Hoje foi um bom dia

Nada fiz de bom

Nada fiz de mal

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Como se nada fosse

 


Não sei se era da forma das dunas
Ou do cheiro sonoro do mar
Tardiamente sentados
Quando todos já tinham abandonado a praia
E as gaivotas conquistavam o areal
A verdade é que o tempo adormecia
A luz ficava suspensa
E conversávamos com os olhos até o sol se deitar
Lá ao fundo, lá bem longe,
onde a esperança se chamava futuro.

terça-feira, 13 de julho de 2021

O Pacto

 

Foi só mais um sorriso

No acto de reviver aquela árvore

Velha árvore, já velha quando eu, criança,

Me escondia do sol sob a sua copa.

É só mais um sorriso

Por saber que continuarás

Quando eu, cansado, sentir que devo ir

Sei que correrei na tua seiva

Enquanto a tua seiva te percorrer

E depois já não sei, talvez mineral, talvez pura energia

Quem sabe, quem quer saber

Se o que conta é o que foi?

Fazemos um pacto:

Trocamos recordações para sempre

E para sempre viveremos enquanto nos recordarmos

Eu criança, tu frondosa

Embalando-me nesse perfume de tília

Sussurrando ao vento

coisas que só as árvores e os ventos conhecem

Foi só mais um sorriso,

Agora que cumpro a minha parte.




terça-feira, 9 de março de 2021

Há estranhas coisas a desacontecer

 Ontem podia ter chovido

As flores estavam murchas de tanta sola
Sentei-me no muro sobre a vila e contei minutos pelos dedos
Lá em baixo as cabeças passavam
umas vezes tinham corpos outras não
Cabiam na largura do meu polegar
Mas este estava entretido a contar
Vi uma nuvem e um gato
Já nem sei por que ordem
E não deixei de contar minutos pelos dedos
O rio acompanhou-me todo o tempo
Faltavam ali tambores, faltavam ali tremores
E nem a sombra da igreja,
Nem o muro do cemitério
Nem a chuva que não veio embora pudesse ter vindo
Nem as cabeças lá em baixo, umas com corpos, outras não
Cabiam na largura do meu polegar
Então deixei de contar os minutos pelos dedos
(já não fazia sentido)
E reparei que não havia uma ponte naquele troço do rio
Nem poderia haver
Este rio só tem uma margem