quinta-feira, 29 de junho de 2017

O círculo quebrado


A inocência termina com o travo da injustiça
Segue-se a percepção da morte
A ideia expande, a visão aclara e intimida
O conceito queima, inquieta, intranquiliza
A morte ganha vida, torna-se palpável.
De repente nasce a paixão
Esta trás consigo o desejo
Tudo se confunde e surge o amor
Ama-se e deseja-se, deseja-se e ama-se,
Deseja-se sem amar e quer-se ter e desejar ainda mais
Irrompe a posse e tudo se agrava
A posse é ciumenta, intolerante, agressiva, desconfiada
É um cavalo sem freios, um touro enraivecido, um tornado.
E o ser humano completa-se
O Diabo dança e Deus rejubila
Subitamente a morte aparece, abraça e estabelece o caminho
O ciclo fecha-se com um amargo sabor de injustiça (a vida soube a pouco)
O ciclo fecha-se, mas não na inocência em que começou
Coloca-se o morto no meio de uma sala
Com rendas e flores e um lenço na cara
Junta-se a família, os amigos e os conhecidos
Juntam-se, também, os que passam por lá
Curiosos por ver quem já não está
Comenta-se o defunto: uma perfeição agora que está morto
Veste-se o preto, o azul e o cinzento
Vestem-se lágrimas e esgares de dor
Passeia-se o dito até ao jardim
Atira-se ao solo e cobre-se por fim.
Fecha-se o ciclo, vamos a outro
Haja mais partos, casamentos e mortos


sábado, 3 de junho de 2017

Íntimos Segredos



Gosto de longos silêncios e de palavras olhadas ; uma paisagem selvagem, desusada, obsoleta.
Gosto de caminhos esquecidos, palmilhados ao som do vento, que me levam a aldeias que desconheço; de noites escuras, de luares cheios e de cheiros de ervas molhadas.
Gosto de marés cheias e vagas enormes, de rochedos pintados de algas verdes, em praias de areia deserta.
Gosto de sentir o sal do mar a secar-me a pele.
Gosto de uma falésia ao despontar do dia e da humidade fria do nevoeiro.
Gosto de apanhar uma pedra e descobrir que tem um fóssil, de lhe dar um nome e levá-lo para casa.
Gosto de olhar à volta e descobrir que só eu estou ali, de subir uma colina e, sentado no topo, observar tudo em redor.
Gosto de me sentar em alpendres de madeira de casas de granito, em tardes de Maio, sentindo o cheiro quente da flor de tília.
Gosto de manipular palavras simples, dançando em pontas de carvão sobre folhas alvas.
Gosto do barulho dos regatos em troços de montanha.
Gosto de portas, portas que se podem fechar ou abrir em função do desejo do momento; gosto delas maciças (e que não se desenhem traços psicológicos à custa desta simples manifestação).
Gosto de livros e do cheiro do papel, do cheiro do café e do seu sabor.
Gosto de coisas simples.
Gosto de gostar sem que se saiba que gosto
E gosto do gosto de gostar de ti.