terça-feira, 6 de outubro de 2015

Itinerância errática


Cruzando ruas sem destino, 
andando apenas, sem norte, 
observo quem por mim passa, 
num jogo de itinerância errática, 
como quem foge da morte. 
Sinto a pressa dos atrasados, 
os sinais corporais dos namorados, 
que em lenta passada cruzam mãos, 
e lambem sofregamente a emoção. 
E sinto o deslevo dos sem abrigo 
pelos seus sacos de estimação. 
Sinto dor e presunção, 
incompreendidos de ocasião, 
e gente cheia de solidão. 
Sinto o gato e o cão, 
no cheiro a mijo no chão. 
Encosto-me à árvore no passeio, 
faço-o não sei porquê, 
queimando cigarros, dormente, 
porque neste vazio de tanta gente, 
quem se cruza já não se vê.


Frágeis são os fios da teia de que te teces

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Baixas são as marés da bendita solidão





É na areia húmida de uma baixa-mar tranquila, em fim de tarde vazia, que me sinto.
Gaivotas banham-se ruidosamente num charco que a maré cheia esqueceu de resgatar. O sol força o horizonte num laranja amarelado. Passeio na interface molhada sem destino; a pequena ondulação acaricia-me os pés.
Não sei se alguma vez pisaste esta areia molhada, num fim de tarde de sol cansado de luzir por um dia; não sei sequer se alguma vez pisaste a areia desta praia com o olhar.
Não deixo de te sentir a mão, esse odor quente casando com o cheiro do iodo salgado.
Não sei onde estás neste preciso momento em que a água tranquila brinca a meus pés.

Sei que te sinto aqui, agora, neste local onde as gaivotas se lavam, onde a praia está vazia e o mar é o teu corpo enrolado no meu.