terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Silêncios

Há silêncios que aprecio 
São como brisas frescas em dias opressivamente quentes 
São momentos de paz em fases de lua conturbada 
Não são silêncios que se procurem 
Caem-me de repente e só tenho de os aproveitar 
Mesmo no meio de multidões, são fáceis de captar e dóceis, muito dóceis 

Há silêncios que procuro 
Silêncios que me permitem retomar o ritmo calmo da respiração 
Que me deixam falar para dentro, que me equilibram. 
Esses apenas atinjo quando me faço errante 
E errante parto sem destino em busca de locais isolados
De onde regresso refeito, revigorado, reconstruído.
 
Há silêncios negros, opressivos, dolorosos, ingratos
São fruto da desconstrução de ilusões
Borrões disfarçados de quadros
Cicatrizes em pretensas carícias 
Esses são os silêncios, de que não se fala e cuja marca permanece 

E, decerto, haverá o último dos silêncios 
E esse é uma incógnita que, desejo imaginar, será delicioso. 
Egoisticamente meu.



domingo, 22 de fevereiro de 2015

Como uma brisa fria na pele



Da suavidade melancólica de um adeus sentido, do delicado sorriso que traduz um até breve ou da ingrata sensação de quebra permanente de uma ligação outrora inquebrável.
De muitas maneiras se define a ausência, mas cada ausência tem uma forma própria, um sentimento singular, uma dor única e inconfundível, uma cor.
Ausência é sinónima de saudade, embora nalguns casos traga apenas uma esbatida recordação.
Saudade é dor, pesado fardo que a memória agudiza. Saudade é vazio, nomadismo forçado, prisão. 
Saudade é o tempo contado pelos dedos de muitas mãos, um rosário desfiado no desespero do tempo passado.
Se eu tivesse de expressar a saudade, escolheria uma tela sobre a qual, a pastel, traçaria em tons de preto e cinza, carregando bem nos traços, um abstracto. Forçaria os pincéis, numa angústia revoltada, a dançarem um tango maldito, num rodopio infinito, até que a alma esvaziasse ou os dedos me traíssem. 
E em abstracto traduziria a imagem que me ocorre do sorriso que me lançaste quando nessa noite tardia, me disseste: “Até qualquer dia”.


sábado, 21 de fevereiro de 2015

UMA DOSE DE PAIXÃO EM COMPRIMIDOS DE 50 mg, POR FAVOR


Há muitas pessoas que se apaixonam e há pessoas que passam a vida a querer apaixonar-se. 
A paixão é bonita, é intensa, é um desatino. A paixão é quente mesmo em pleno inverno.
A paixão faz brilhar os olhos, agudiza os ouvidos para o trinado dos passarinhos e coloca um sorriso estupidamente aberto nas bocas.
A paixão não quer saber de todo a verdade, quer apenas alimentar-se da forma mais conveniente e, como provoca muita fome, quer estar constantemente a ser alimentada. Garfadas e garfadas de carinho, camiões de emoções.
E como é uma delícia sentir-se apaixonado, quanto mais balofamente apaixonados, melhor.
Que se lixe o colesterol emocional, que se dane a obvia cegueira analítica, há que dar beijinhos, abracinhos e andar de mãos dadas todo o tempo, mesmo que sejam hábitos higienicamente desaconselháveis.
A paixão é espectacular…mas morre precocemente de obesidade.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Ao ritmo de uma musica outonal





Ao ritmo de uma música outonal, um cigarro por companhia, teus olhos… perdidos lá longe, onde mais ninguém lhes chega, piscam ao compasso da tristeza que te assoma aos ouvidos.
Engoles a secura da solidão, soltas o fumo cinzento, como quem solta o desespero de nada ter, de tanto querer ter, depois de ter tido.
A musica envolve-te, embala-te, leva-te ainda mais longe no limbos dos pensamentos julgados perdidos. Deixas-te levar querendo ficar; não tentas sequer reagir ao encanto mórbido dos acordes da memória.

E perdes-te na sombra dos teus tempos; o cigarro a morder o filtro e tu ali, quieto, piscando os olhos ao som de uma musica outonal, suavemente lenta, melancólica, que há muito deixou de tocar para ti.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Alma minha peregrina




Se o meu corpo tivesse uma janela
Uma ranhura, que fosse, coisa singela
Própria para almas agitadas
Sinto que a minha seria peregrina
Sairia e entraria
Ao ritmo da sua ira
E eu seria mais leve ou pesado
Mais feliz ou mais zangado
Se minha alma peregrina
Pudesse em mim estar retida
Indo e vindo, gémea de mim,
vadia