segunda-feira, 4 de maio de 2020






Lá, onde o mar desagua nas falésias abruptas, e a costa é recortada por pequenas enseadas escondidas do vento, atapetadas de areia mais escura e calhau rolado.
Lá, onde o mar é mais iodado e os rochedos são finas lâminas de xisto.
Lá, onde os prados fogem ao olhar, as colinas são suaves e preguiçosas e as ervas têm cheiro de condimento.
Lá, onde as pessoas são brandas e o tempo se mede pelas rugas, onde as casas são térreas e brancas, com finos recortes de azul ou amarelo. 
É lá que me refugio sempre que posso, onde me dispo do que pareço ser, onde me perco num horizonte só meu e respiro a paz que poucas vezes alcanço.
No meu cantinho quase selvagem, onde tudo parece ter sido feito à minha medida, a noite é feita de estrelas e a lua é mais conversadeira.
Naquela costa primitiva, bem juntinho à cadeia montanhosa, tudo o que me rodeia é fragmento de mim e, por vezes, em dias de sorte, consigo cheirar a felicidade.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Aquele olhar bucólico



Com um pedaço de carvão e meia dúzia de riscos, esbocei a rua onde cresci. Agora que o tempo mo permite, recordo-a nos contornos apressados do traço e apercebo-me de que era particularmente bonita nas noites de nevoeiro, em inícios de Dezembro, quando o Inverno descia das montanhas, frio como navalhas.

As pessoas eram sombras, os plátanos eram sombras e as sombras, sombras eram de si mesmas.

Eram noites de mistério e emoção; noites de negro cinza e, lá ao fundo, o cemitério com as suas altas paredes e o seu portão de ferro forjado, dominava imponente, ladeado por dois ciprestes.

Nevoeiro vivo em farrapos pegajosos que se ria dos vultos.

E tudo era possível naqueles tempos em que uma calma silenciosa dominava essas noites

E era tão bom vaguear por entre as sombras.

E a lua ria velada naquela meia dúzia de traços a carvão.