terça-feira, 9 de março de 2021

Há estranhas coisas a desacontecer

 Ontem podia ter chovido

As flores estavam murchas de tanta sola
Sentei-me no muro sobre a vila e contei minutos pelos dedos
Lá em baixo as cabeças passavam
umas vezes tinham corpos outras não
Cabiam na largura do meu polegar
Mas este estava entretido a contar
Vi uma nuvem e um gato
Já nem sei por que ordem
E não deixei de contar minutos pelos dedos
O rio acompanhou-me todo o tempo
Faltavam ali tambores, faltavam ali tremores
E nem a sombra da igreja,
Nem o muro do cemitério
Nem a chuva que não veio embora pudesse ter vindo
Nem as cabeças lá em baixo, umas com corpos, outras não
Cabiam na largura do meu polegar
Então deixei de contar os minutos pelos dedos
(já não fazia sentido)
E reparei que não havia uma ponte naquele troço do rio
Nem poderia haver
Este rio só tem uma margem