terça-feira, 31 de maio de 2022

Silêncios

 

Refugio-me no silêncio da casa desde a tua ausência

A casa mantém o teu cheiro,

Guardou-te a sombra, cuida dela.

O silêncio é o meu cúmplice,

A minha capa protectora,

O manto que me torna invisível

Invisível à tua ausência,

Ausente da tua sombra que tenta perseguir-me pela casa

Essa mesma que mantém o teu cheiro

Estou cativo nesta casa e nem o silêncio onde me refugio

Me protege de ti



domingo, 29 de maio de 2022

Desta minha escuridão em que tanto brilhas

 

A cadeira de verga que almofadaste e colocaste em frente à porta da varanda.

Essa cadeira onde te sentavas ao fim da tarde, naquele período em que o sol nos brinda com um brilho de luz especial, aquele brilho de quem se vai e só volta no dia seguinte.

Esse brilho que se espelhava nos teus olhos quando eu entrava e te viravas de frente para mim.

Era nesse momento que o sol sentia inveja de mim.

Há muito que te foste; a cadeira, essa, continua no mesmo sítio, recordando-me tempos em que eu próprio tive inveja de mim.

Mais ninguém se sentou nela desde esse dia; enquanto me recordar do meu nome ninguém se sentará nessa cadeira de verga por ti almofadada.

Sinto que um dia, quando já eu próprio me tiver “posto” para lá do horizonte da memória, virás como se nada se tivesse passado e te sentarás na cadeira no preciso momento em que o sol te brindar com o seu brilho que, de uma forma muito especial irradiará de teus lindos olhos.

Apenas a lua será testemunha desse desencontro e sei que sentirei uma inveja imensa dessa lua Cheia do teu brilho.

 


sábado, 28 de maio de 2022

666

 

Porque te permites viver a metade do todo que és?

Porque te divides entre a razão e o sentimento

Sabendo que quem perde é o desejo?

Porque te acomodas à estrada que te indicaram

Sabendo que tantas outras há por onde caminhar?

Vejo-te ave de uma só asa;

Saltitas de parapeito em parapeito

Num ensejo imenso de levantar voo e voar

Porque te permites limitar para além do que já te limitam?

Para uns a “segurança” vale mais que a liberdade,

Que o livre arbítrio

Alimentam-se da vã esperança de haver sempre mais um dia,

Mais um dia para mudar, um dia mais onde arriscar

E assim se enganam os sentidos, assim se escraviza a voz da pele

E se caminha seguro pelo caminho comodamente indicado

Na dessegurança de uma vida segura

Até que não haja mais um dia

Nem mais um dia para gastar

E no obituário alguém escreverá: “Era uma excelente pessoa”

Mas perdeu o ensejo de sentir o prazer transcendente

De quem muda de caminho e se atreve a voar.




 

 

 

sábado, 21 de maio de 2022

Sem razão

 

E de repente sentes um misto de desejo e de profunda paz

Durante aquele abraço tão ansiado, demoradamente esperado

Decididamente atrasado.

Mas sabes que aquele pode ser o último

Porque é um abraço clandestino,

Tal como esse é um desejo proibido

Fruto de uma improvável atracção

Mais forte que a razão

E questionas a tua sanidade

E questionas a razoabilidade

E a moralidade

Mas naquele abraço existe apenas o calor dos corpos

O desejo de sentir

A simplicidade do desejo

E a esperança vã que todos os relógios do mundo parem



quarta-feira, 18 de maio de 2022

É isto ser prestimoso?

 Não podes permitir-te ceder ao desejo. Apenas não deixes que os sentidos te controlem.

Pensa-nos como quiseres, mas não deixes que seja em modo de desejo.
O desejo vicia, tolhe a razão e tu gostas de te sentir a controlar os teus actos. Não é que os controles, apenas crês fazê-lo. Não deixes que o desejo,
esse enviesado desejo, te tolha as ideias.
Concentra-te em desejar não desejar que aconteça e não te permitas abandonar a estas mãos.
Já eu anseio que me desejes e que, num momento de obtuso bloqueio te entregues nas minhas mãos e deixes que do teu corpo faça uma tela de sentidos.
Sei que não deves querer, sei que não devo tentar-te,
e, no entanto, desejo-te fortemente e espero que te permitas ceder.
Não o faças, mas se o fizeres, e eu me permitir permitir-te, então não presto.
E eu não presto.



terça-feira, 17 de maio de 2022

Temo isto que sinto

 

Sinto que não te voltarei a ver.

Só que não será como antes,

Quando não sabia que existias.

Antes não te sentia

Agora que te senti, que sei que existes

Agora que te respiro

Sinto que não te voltarei a ver

E temo que o meu sentir seja acertado

E eu que detesto estar errado,

Logo agora quero errar

E quero acreditar, mas temo, que te continuarei a sentir

Mesmo que à distância da impossibilidade

Só que sinto não ser possível

E temo estar errado

E sei que não te voltarei a ver

Nem a respirar

Nem a olhar, apenas por olhar,

Mesmo não te vendo, mas sabendo

Que lá estarás se abrir os olhos

E te quiser olhar

Hoje não me apetece pensar…

 

domingo, 15 de maio de 2022

Até quando?

 

Aconteceu por acaso, como acontecem as coisas que,
por acaso, não são programadas.
E cresceu; cresceu na distância e na proximididade.
Cresceu para lá das fronteiras do país, para lá de paisagens de outras terras,
Sob o testemunho de noites estreladas indescritíveis.
Foi partilha, sintonia, atracção, apoio.
Foi intenso
Foi desejo e loucura, sendo uma história de duas pessoas improváveis.
E um belo dia “desaconteceu”, tão de repente como começou
Tão silenciosamente quanto o distanciamento gerado, com um desagradável gosto a tanta coisa por dizer
Deixou memórias, deixou sabores quentes e doces, dedos que não contam,
olhos que não descrevem.
Deixou um vazio que o futuro jamais preencheu.
(Muitas vezes o futuro acontece tal como não estava previsto).
Eles ainda se sentem na distância; a vida continua para cada um deles
E cada um deles evoluiu noutras vivências, noutros lugares, com outras presenças.
Acredito que hajam incontáveis futuros, mas não creio que esteja previsto um que seja comum aqueles dois.
Ainda assim aposto que o intenso e doce sabor dos lábios permaneça presente até ao fim.
E que de todas as coisas que ficaram por dizer, as que realmente contam, sejam sentidas por ambos.



segunda-feira, 9 de maio de 2022

As formas da dor

 

Sinto esta pressão no peito

Uma força compressiva

Uma sensação opressiva

Uma espécie de desassossego

Sinto que algo falta aqui

Não foste tu, nem foi por ti

Era para ser um afago,

Um carinho em forma de carícia

Uma atenção sentida

Uma expressão de medo

(porque a perda é medrosa)

Mas nada aconteceu

Porque não estavas

E se não estavas não havias

E se não havias que poderia eu sentir

Senão uma pressão, uma força compressiva

Um desassossego, uma forma de medo,

Uma carência de atenção,

Sem afagos, nem emoção

Não, não foste tu

Foi a imagem de ti

Que no espelho não vi

Mas idealizei

E nela acreditei

E assim se forma a dor

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Sendo um idiota

 

Nunca te falei dos segredos do jasmim

Nunca te embalei na ternura com que te olho

Quanto tu não vês

Sinto cá dentro que continuarei mudo

No momento de te dizer

O quanto és jasmim

Ou mesmo tília, em pleno maio

Eu que olho todos nos olhos

Só nos teus os meus cegam

Tal como a voz se apaga

Sem te conseguir dizer

Que és a onda perfeita

A aragem mais suave

O perfume que inebria

Que me és o que começa e acaba

E a razão para haver um horizonte

Para onde caminho