segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Sentimentos profundos

 

A rua era estreita e íngreme. As casas, estreitas e altas, escorriam humidade pelas cicatrizes centenárias.

O chão, de calhau rolado, era um ringue de patinagem no inverno. O sol dificilmente descia às pedras e o cheiro a mofo ira como um perfume de marca.

A minha cidade tinha uma parte muito antiga, corroidamente velha, deliciosamente genuína, onde as casas eram testemunhas das estórias vividas naquelas ruas estreitas e essas mesmas testemunhavam muitas cenas caseiras. Eram como as velhas intriguistas, as casas e as ruas empedradas.

No verão, no quente verão da minha cidade, era um descanso passar por essas ruas frescas, amenas, calmantes.

A minha cidade, a minha velha cidade é um misto de encanto e sedução. E é só minha.

Há muito que deixei de a habitar; visito-a, de fugida porque me dói a transformação que se tem operado. Não porque esteja pior, mas porque as minhas imagens dela são outras, são mais bonitas, são vistas pelos olhos de uma criança e pelos de um adolescente e, finalmente de um jovem adulto.

E essas sim, são as imagens da minha verdadeira cidade, aquelas que preservo e amo.

Por isso as suas ruas continuam ingremes e estreitas e as casas suam a sua velha podridão, libertando um perfume bafiento único. E assim igualei a minha cidade, envelhecendo cada um ao ritmo do seu tempo.

É bela a minha cidade, conquistando a serra, afagando o rio que a banha.

E é só minha porque mais ninguém a vê como eu sempre a fui vendo.