terça-feira, 29 de agosto de 2017

"Gone" ou de como acabar com o medo



Quando desaparecer
acender-se-à uma vela num canto escuro de uma janela
Haverá uma fotografia antiga, desbotada pela humidade olhada
Uma mão dirá adeus ao sentimento quebrado
Um cão uivará à lua após ter mijado num candeeiro
Uma prostituta entediada virar-se-à de lado na cama alugada, em silêncio
Alguém sufocará um soluço
Alguém matará um beijo à nascença
Alguém sorrirá de tristeza, clandestinamente
Os homens do lixo farão o habitual ruido nocturno
e um gato queixar-se-à da presa perdida
Um homem atravessará a pé a rua, de regresso a casa;
roupa desalinhada, hálito etílico
Uma mulher simulará de novo um orgasmo
Um bébé chorará pelo peito materno
E alguém dirá em silêncio - saudade
soprada sobre a chama de uma vela  que,
no canto escuro de uma janela,
sufoca um soluço de vento
e imagina uma silhueta afastando-se
no céu nocturno


sábado, 26 de agosto de 2017

Forma difusa



De repente pressenti um vulto na janela;
um perfil bem conhecido.
Fixei o olhar e nada vi,nada se fixava por detrás do vidro.
Foi a vista que me traiu, pensei
porque esse vulto há muito que o não via à janela.
Um vulto que era um rosto,
um rosto que a janela me abria
e por vezes se escondia, sorrindo
fazendo me a janela abrir para o encontrar.
Mesmo não tendo ouvido o sorriso,
tive o instinto de me dirigir à janela e procurar.
Mas contive-me. Porque esse perfil de rosto desenhado
num sorriso bonito e deslavado
desapareceu por si na brisa do seu querer.
E marinheiro não volto a ser
para me largar no desejo, sem leme nem vela a preceito
abrindo janelas de vento sem jeito,
e me afogar sem nada ver.
Se miragem não foi, voltará
e na janela se fixará e dessa vez baterá.
Se se quiser dar a ver,
virá




Amnésia



Com um pedaço de grafite
e de olhos bem fechados,
esbocei-te os traços da cara.
A preto te refiz na memória do papel
De olhos bem fechados mirei a criação
Eras tu, tal como te vi
da primeira vez que nos desencontrámos,
por sinal no unico encontro que marcámos.
De olhos bem fechados, arranjei te uma moldura
e recriei um prego com dois traços.
Pendurei te na parede, mesmo em frente da janela rasgada
para que ficasses luminosa.
Agora sento-me à tua frente,
num ritual diário
e recordo com deleite a primeira vez que te não vi.



segunda-feira, 14 de agosto de 2017

E o asno cegou de dor



Hoje doí-me um mundo em cada segundo
Dói arrancar de mim um veio de luz
Vendo-a sorrindo pra mim de forma "frágil"
Dói abrir as mãos, apartar os braços, virar a cara
Por um pedido, por um clamor, por um medo tolo
Fere-me de morte sempre que a razão, o conforto, o temor
Vencem o desejo, a mais pura acendalha da vida, a paixão

O que as asas aproximaram,
As penas afastaram

E doí-me a inercia, a falta de reacção,
A aceitação não aceite
O baixar de braços, os braços amputados
O torpor, o estupor do destino,
Esse cabrão que abomino,
A mentira maior.
É a vida…não é não!
São as teias construídas,
São os nós de marinheiro
Os bons costumes castradores
Esses abutres dos Valores

Dói-me não conseguir arrancar esta dor
Que me magoa e corrói



sábado, 12 de agosto de 2017

Existem ontens?



Estás errada, já te disse.
Ontem não nos vimos,
ontem não falámos.
Dizes que dissemos mas não ouvi.
Estava noutro lado.
Ontem foi daqueles dias em que saimos por ruas diferentes,
daquelas que não se cruzam,
daquelas que não se tocam,
daquelas que não se veem.
Ontem não nos tocámos, nem com a voz,
porque era impossivel.
O que parece ter sido não foi,
o que foi esqueci.
Porque ontem não te vi,
vi-te a sombra
que a lua sarcástica me deu,
mas não a ti.


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Pétalas



Uma flor não é uma flor
É uma cor, uma dança colorida, uma palete de vida
É um cheiro, são cheiros, é perfume
Misturado com terra húmida e seca
É o zumbido dos insectos
E o suave empurrão da brisa no seu caule
Uma flor é a dor da deciduidade
O desmontar breve da beleza singular
Uma flor, fragilidade
Canção ao luar, canção breve, exaltada
Da beleza singular, da dor da deciduidade
Da secura da terra, do cheiro da humidade
Da ferida saudade, dessa flor
Essa flor


domingo, 6 de agosto de 2017

Non sense



A morte é uma puta com classe...



Há sempre uma estrada que não percorreste, um caminho por inventar, uma musica nova a trautear. 
Há a promessa de frescura e aventura. 
E há a beleza contemplativa, o pulsar forte da vida, numa veia atrevida. Há a certeza da morte, mas acredito na sorte e na Santa Trindade, cada vez mais com a idade. 
Há o equilíbrio torto e o corvo morto, na berma da estrada perdido, mesmo por baixo de um aviso que diz: Perigo!Derrocada.
E esta vida tão malvada que nasce baptizada de morte; ganha sempre o mais forte, mesmo quando ganha nada.
E há de novo uma estrada, uma conversa sem nexo, uns sapatos estragados, uma fome, uma sede, um frio tão cerrado e um chaparro ali à frente. 
Vou ou não vou? 
É indiferente.




sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Fragilidade sentimental


There's always a strange feeling that something's bizarre in me



Não te vás, queda-te junto a mim
Sinto-te o calor do corpo
Sinto-te a forma ondulante
Preciso de ti
Se te vais é o fim
Fico praqui, corpo morto
Perdido no teu instante
Não te vás, chega-te a mim
O dia não precisa de ti
O mundo não pára sem ti
Mas eu sem ti não tenho mundo
Fico perdido e, no fundo,
Temo por mim se não te sentir aqui.



Blind date



Na rua escura de passos compridos mas cadenciados,
calcando poças de água, e marcando as sombras anónimas que me seguem,
fui...
percorri travessas solitárias e veredas nuas
Em mim, passeei comigo, solitário de mim
e quando a lua apareceu,
vieste e ficaste a meu lado.
O meu lado cinzento...
Fizemos as pazes e, à sombra da noite, sentimos por fim a paz entre nós.
E em paz seguimos,
pelas ruas escuras,
pelas travessas solitárias, acompanhados de nós,
de mãos mal dadas, mas unidas
e junto ao rio nos detivemos
e em silencio acordámos
na tranquilidade que nos devemos.
Foste quando a lua se escondeu numa nuvem tardia,
mas sei que com ela voltarás, outra noite,
noutro dia,quando for.






Des_Dita



Não mais desejar, não mais gostar, tão pouco amar.
Fazer não sentir, fazer não querer
E, sobretudo, não querer sentir ao fazer.
Conter, travar a emoção, apenas fazer.
Não deixar crescer, não deixar doer; reter.
Ignorar a beleza, cegar.
Ignorar as palavras, ensurdecer.
Passar de viés, não reconhecer.
Não dar, não deixar, blindar.
Fintar o destino, ignorar.
E no final deixar-se estar; aguardar
que algo que venha não queira ficar.
Porque já não há espaço neste lugar.

A desilusão é uma mulher de véu cinzento, cinta cingida e presença constante.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Do desespero olhado


Há olhares da dimensão do mar, um mar cuja distância se mede pela tristeza e a profundidade pelo desespero de não o poder navegar.
Senti ser a minha estrada esse mar, esse mar que me olhava, do azul da distância que nos separa.
E senti-me rodopiar nesse mar, nessa imensidão em turbilhão.
E perdi os sentidos na sua brisa suave, e no seu movimento ondulante senti-me marejar.
Um mar que deveria ser meu.
Por vezes um homem afunda-se na dor e, por mais que resista, afoga-se no magnético desejo que não consegue evitar.