quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ao fim da tarde

 

É sempre à tarde, fim de tarde

Que me sento e observo

O jogo das sombras nas paredes da sala

E fico assim, sossegado

Vendo os raios de luz apagar

E a mancha das sombras aumentar

É sempre à tarde, sempre tarde

Que me escondo do dia

Ao fim do dia

Suspenso me sinto

Sentado sossegado

Na penumbra dos dias

Na sombra do meu tempo

Esperando que chegue, devagar

O tempo do meu esquecimento




sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Que é feito da felicidade?

 

Se um dia pudesse ser feliz

Contente só por ser assim

Sem mágoa, sem dor

Apenas ser feliz

Se eu pudesse ser feliz

Teria o sorriso mais rasgado

O riso mais sonoro

O tino menos acertado

Mas seria enfim feliz

Não sei sentir felicidade

Sei da dor, sei da angústia

Sei da triste ansiedade

Que ansiosamente me prende

Ao mais mesquinho que há em mim

E se um dia fosse assim

Despreocupado e feliz?

Só feliz...



domingo, 2 de julho de 2023

Que é feito de nós

 

Diz-me, por onde andam teus passos

Dá-me uma pista sobre ti

Sinto o teu perfume

Sinto a tua pele

Embora há muito não te veja

Fala-me desta tua vida

Agora que a ela não pertenço

Conta-me, mesmo que não te oiça

Ouvir não conta quando a voz está bem presente

E dá-me um sorriso,

desses que são tão teus

Da boca até aos olhos

Brilhando intensamente,

Reflectindo nos olhos meus

Não sei da tua sombra,

Que da minha se escondia por instantes

Para depois se entrelaçarem,

Bem unidas, de mãos dadas

Por esses passeios da vida

Diz-me, que nada sei de ti,

Tens sabido de mim?

Procuraste-me nas calçadas

Olhaste bem através das vielas?

Preciso saber se me procuras

Porque desde que te perdi,

Nada mais soube de mim.



sexta-feira, 30 de junho de 2023

Do serrano que há em mim

 

A porta, em madeira velha e muito gasta, dava acesso a um pátio exterior largo, feito de pedra granítica que outros, muito tempo antes, cortaram e endireitaram à mão. As paredes da casa, vestidas de plantas trepadeiras, creio que eram buganvílias, davam cor e aroma ao conjunto. As tardes de junho eram perfumadas nesse pátio virado a oeste. Ao fundo, quase na curvatura do terreno, a vinha e o olival.

À volta, os contrafortes da Serra da Estrela recortados por profundos vales por onde circulavam riachos de água gelada e límpida. Recordo os salgueiros, fortemente enraizados nas margens, totalmente desgrenhados, folhas e ramos beijando a superfície das águas. Eram locais de sombra, de erva viçosa, de convite a longas sonecas com os pés dentro da água.

Aqui e ali um castanheiro, uma nogueira-imponentes no porte- e uma tília. As tílias eram as minhas preferidas; perfumavam o ar quente por todo o lado; um perfume envolvente e calmante. Os blocos de rocha, blocos arredondados de diversos tamanhos, saídos do solo, pintalgados de líquenes, conviviam com as grandes árvores. Não sei quem suportava quem, mas eram conjuntos harmoniosos.

Assim eram as pinceladas serranas da minha juventude em dias em que a primavera há muito tinha escancarado as suas portas ao verão.

Para mim tudo era calmo e equilibrado; para mim ainda a primavera da vida estava a começar e não se imaginava que aquele claro e limpo horizonte tantas vezes mais tarde viesse a mostrar-se negro escuro, tempestuoso.

Há muito que não visito esse muito meu espaço da infância e início da juventude, mas sinto-lhe a falta; por vezes sinto uma saudade imensa desses tempos. Desconfio que não voltarei a visitá-los; fazê-lo poderia ser uma desilusão e assim preservo estas memórias que me são caras.

Não, não deverei voltar aquele local, mas sinto-o, sei-o. Tenho-o entranhado nos ossos, é parte do meu código genético; é a Serra que há em mim.



sábado, 24 de junho de 2023

Until the end

 

Disseram-te ser terminal

Como a última estação de serviço

Sem qualquer serviço mais além

Sem sequer um além onde ir

Disseram-te que não haveria mais sonho

Nem muito espaço para respirar

Que nem um fôlego profundo iria ajudar

Nem o topo de uma montanha onde ficar

Não sabes o que sentiste

Foi uma surpresa brutal

Um imenso vazio pleno de dor

Um imenso espaço esvaziado de esperança

Tens uma vida, sabes que é finita

Mas pensas: 

falta sempre muito para o fim

                                                (Mas nem sempre é o tempo a ditar)

Até que não falta mais

E chegas ao terminal

Desfaz-te das malas,

E em silêncio

Despede-te do que amas

Arruma os pensamentos

Arquiva as memórias

Liberta-te do passado porque

Ainda tens uma ultima viagem

É interminável,

É indefinida,

É solitária

E não tem retorno


Negra, negra é a cor da esperança.

terça-feira, 13 de junho de 2023

O luar do noitibó

 

Uma lua imensa

Enchia de luz o canto mais sinistro da rua

De sons, apenas o de um noitibó

Parecia chamar-me

Eu, pendurado no borrão de um cigarro

Fumo dançando ao vento

Ideias voando por aí

Um luar intenso

Apelando mais um pranto ao noitibó

E este correspondendo

Como se me chamasse

Como se me escutasse

No meu silêncio fumado

A preguiça enchendo-me de brilho

E o cigarro queimou-se




terça-feira, 6 de junho de 2023

Feliz acaso

 

Um acaso

Uma mudança de percurso

Algo que chama a atenção

Um simples nada que prende

Um momento

Uma partilha

Uma partilha que gera um sorriso

Uma atenção no momento em que atenção é precisa

Uma mão estendida

A confiança alargada

Um beijo

Depois outro

Uma sequência de olhares

Uma sequência real

Uma real situação

Um devaneio levado ao sério

Um sério caso

Um ocaso por acaso

E um renascer a dois

 Podia ser paixão



terça-feira, 30 de maio de 2023

O reflexo

 

O espelho devolve-me o tempo

Ampulheta acelerada, retrata o que é

Quando eu queria o que foi

O espelho desfeia-me a ideia

Desmente-me a ilusão

Enruga-me a memória

Diz-me, em silêncio, no que me tornei

Espelho, espelho meu

Há algo mais ingrato que a realidade?

Ou serei eu,

Que saudoso do tempo que já foi 

Recuso esse reflexo presente

Pálida imagem de mim

Frio esboço que sobrou

Essa imagem que vejo espelhada

É  tudo quanto resta 

Do que há muito se esfumou



sexta-feira, 19 de maio de 2023

Do fim e da gralha


A gralha, pousada no muro de pedra rachada

Observa curiosa e atenta

O manto escuro, ao fim da tarde

Deitado de lado sobre as costas encurvadas

Agitando-se ao vento

Andando depressa

Coberto de negro, quase de noite

Sob o olhar atento da gralha

Acima das pedras do muro rachado

Que o musgo do tempo mantém de pé

E escuro vai encurvado, sem se saber para onde,

Na negra noite primaveril

O vento sopra de rajada

E da gralha nem rasto.

E da vida nem som

Curvado sobre o abismo,

Manto ao vento, bandeira negra

Réstia de nada

Lá bem longe

Onde já nada existe 

Excepto a gralha




quarta-feira, 17 de maio de 2023

Esgotando o desespero

 

Já nada mais tenho para te dizer

Esgotei as palavras conhecidas

Que pensei dizer-te

E cansei o olhar a adorar-te

Sempre que distraída te apanhava

 

Sequei a esperança de vencer a cobardia

E te expressar o quanto revolves o meu peito

Não,

Não creio que alguma vez venhas a saber

Que por ti seria capaz de ser fortaleza,

Porto de abrigo, braço protector

Um mundo de emoções,

Sentimentos em turbilhão

Um pateta sem jeito,

Um perdido de paixão

 

Por isso,

E porque não consigo amar outra qualquer

Brinco às escondidas com as minhas sombras

Em ruelas estreitas e escuras

No coração da cidade

 Na zona mais profunda da tristeza

Que os meus olhos rasos conseguem atingir

 

E já nada mais há pelo qual respirar




segunda-feira, 24 de abril de 2023

No fundo de mim

 

Quantas vezes não passeei

Por vielas escuras e fétidas

Ventos de bolor, escorrendo nas paredes

Vielas de pedra húmida, pedra imunda

Agarrado a um cigarro

Cambaleando etilizado

Perdido numa procura insana

Ou tão só perdido de razão

Quantas quedas, quanta lama

Tanto desnorte roçado no salitre

Da podridão onde me atolei

Quando hoje recordo o que passei

Ou melhor, aquilo a que me forcei

Estremeço só de pensar

Em voltar a percorrer essas sujas vielas

Essas podres vias emocionais

Perfeitos desequilíbrios comportamentais

Labirintos de emoção

Ligando cérebro e coração




sexta-feira, 21 de abril de 2023

A certeza do talvez

 

Não sei quando te encontrarei,

Nem sei se alguma vez te encontrarei

Não mesmo sei onde existes

Mas sei que te espero

 

Vives nesta melancolia

Que me prende a nada o olhar 

Neste respirar suspirado

Que me deixa vazio de ar

 

Sinto-te em cada Estação

Na brisa suave dos fins de tarde

Sinto-te na espuma das ondas

Que me banham os pés

 

Não sei onde estás

Não te vejo, não te oiço

Apenas sei que te sinto

Algures neste mundo

 

E espero, no ar que respiro

No horizonte que observo

Na esperança que me move

Espero o momento do encontro

 

O momento em que todas as palavras me serão vedadas

Em que perderei a compostura

E idiotamente ficarei especado

Olhar bem fixo em ti

Olhos destilando o tanto que te quero

E o quanto te esperei

____________________________

Hoje gostaria de ser um cavalo selvagem, galopando numa imensa pradaria 





quarta-feira, 5 de abril de 2023

O princípio da dor

 

Não!

Não quero deslizar os dedos no contorno dos teus lábios

Não quero descobrir os sulcos dos teus olhos

Nem provar o teu sabor

Não quero pegar-te pelas mãos

E rodopiar contigo ao som de uma musica qualquer


Mas cometi o erro de te sentir o cheiro

De bailar nos teus lábios

De saborear-te as palavras

Que debitavas pelos olhos

 

Não, repito para mim

Não voltas a deslumbrar-te

Não vais permitir-te sentir

Não voltarás a envolver-te

 

Em vão

 

Porque é sempre assim o princípio da dor

Quando a realidade nos atinge

A magia termina de repente

E o mundo, de súbito, sabe a fel

E vem o desatino da recordação

E a certeza de que aquela dança de olhares,

Não voltará a acontecer


E na ressaca da dor

escutas na tua mente:

Não, não voltas, 

não irás permitir-te, 

não mais sentirás



quarta-feira, 29 de março de 2023

Momentos difusos

 Não é essa imagem reflectida no espelho

que recordam as paredes da casa.

Para elas o tempo não altera faces

Para ele nada pode manter-se inalterado

A casa já não te reconhece

A rua deixou de ter sentido

E o largo onde outrora jogaste à bola

já não existe

Que é feito desse tempo primaveril?

Já nada é desse mundo que recordas

E, no entanto, olhas o presente

e não o sentes teu.

Ouve-se uma melodia muito ao longe,

memória indistinta.

Já tudo é enublado

E nem o sol te aquece os ossos.

Será tempo de voltar?




sábado, 11 de março de 2023

Um caso perdido

 

Tantos, tantos anos passados

Tantos filmes rodados

Quantos planos desenhados

Quantos finais desejados

E quantos fracassados

O nevoeiro chegou

Tardiamente

Um cigarro perdido no canto da boca

Uma palavra entalada na garganta

Uma vontade de andar

Um desejo breve de ficar

Há uma estrada que espera

Um caminho a percorrer

(solitário)

Uma ave negra atenta,

Uma música lenta

Uma ladainha a contar

Um caso de amor por desvendar

É uma cicatriz ferida

Uma humidade entranhada

Um suspiro vencido

Um olhar perdido

(Outrora convencido)

Uma imagem gravada

E um caminho por fazer

Ou um fim por atingir

Já tanto faz e tudo serve

Quando a dor persiste

(E aquela música persiste

E magoa)





terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Da louca sedução

 

Por vezes, ao fim da tarde, naqueles momentos em que o sol já baixo no horizonte, nos presenteia com uma luz difusa e mágica, eu acredito ouvir os seus passos breves e ligeiros no corredor. E uma fragância fresca frutada, como a que usava, aflora-me as narinas. São breves instantes de breve loucura, momentos de ilusão que me permitem manter um certo equilíbrio emocional, em particular quando a bendita solidão me ataca de mansinho e me embala no seu canto irresistível.

É terrivelmente cativante a solidão, apenas suplantada pela tristeza.

Esta última seduz-nos, envolve-nos, apodera-se da nossa vontade e alimenta-se das nossas fraquezas.

Por isso essa breve ilusão de a sentir, tanto tempo depois, sempre que a luz obliquamente breve do sol brinca no meu soalho, é um escudo que me protege da solidão e da tristeza por instantes, embora eu, infalivelmente me volte a render a ambas e a adormecer nos seus braços a cada noite.




segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Da dor e do tempo

 

Sei que nunca te contei

(Porque egoisticamente guardei para mim)

Desse teu jeito tão peculiar ao dormir

Cabeça tombada sobre o meu peito

Sorriso maroto de garota feliz


Sei-te os percursos da pele

De olhos fechados

Caminho acetinado, mapa perfumado

E, enquanto descansas sobre o meu peito sei

Sei que um dia te perderei


Porque não consigo parar o tempo

Porque me é impossível congelar o momento


Um dia, eu sei

Um de nós não mais erguerá a cabeça

Não mais olhará o outro nos olhos

Os mesmos que olhando dizem tanto do amor que não se diz


Sei que nunca te contei

Deste medo de ficar mudo

De querer falar e não ter voz

Do silêncio cego e da ausência

De ti, meu amor.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Estas partes de mim

 

Muitas vezes pergunto

O que seria de mim

Se uma parte do que sou

Viesse a saber da outra parte de mim

E sinto uma angústia,

Um desconforto, enfim

Pensando se, por absurdo,

As duas partes se conhecessem

E falassem de mim

E quando, finalmente,

Cientes do todo, 

Conscientes do que habita em mim,

Que passariam a ser,

Em que todo me tornariam

Estas duas partes de mim

Ai de mim.



 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Sentimentos profundos

 

A rua era estreita e íngreme. As casas, estreitas e altas, escorriam humidade pelas cicatrizes centenárias.

O chão, de calhau rolado, era um ringue de patinagem no inverno. O sol dificilmente descia às pedras e o cheiro a mofo ira como um perfume de marca.

A minha cidade tinha uma parte muito antiga, corroidamente velha, deliciosamente genuína, onde as casas eram testemunhas das estórias vividas naquelas ruas estreitas e essas mesmas testemunhavam muitas cenas caseiras. Eram como as velhas intriguistas, as casas e as ruas empedradas.

No verão, no quente verão da minha cidade, era um descanso passar por essas ruas frescas, amenas, calmantes.

A minha cidade, a minha velha cidade é um misto de encanto e sedução. E é só minha.

Há muito que deixei de a habitar; visito-a, de fugida porque me dói a transformação que se tem operado. Não porque esteja pior, mas porque as minhas imagens dela são outras, são mais bonitas, são vistas pelos olhos de uma criança e pelos de um adolescente e, finalmente de um jovem adulto.

E essas sim, são as imagens da minha verdadeira cidade, aquelas que preservo e amo.

Por isso as suas ruas continuam ingremes e estreitas e as casas suam a sua velha podridão, libertando um perfume bafiento único. E assim igualei a minha cidade, envelhecendo cada um ao ritmo do seu tempo.

É bela a minha cidade, conquistando a serra, afagando o rio que a banha.

E é só minha porque mais ninguém a vê como eu sempre a fui vendo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Loucura 5 - A outra face do amor

 

Parti sentindo a perda

Quebrei o contacto

Desfiz a ligação

Senti a falta

Plenamente vazio

Perfeitamente desfeito

Parti, quebrado, vazio

O tempo passou

O Inverno suavizou

A lua encheu de novo

E hoje olho as cicatrizes

Sem dor

Sei que pode repetir-se

Embora não queira

Mas sei que não domino

Os caminhos da lua

Que seja cheia

Se assim tiver de acontecer



terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Loucura 4 - O Caminho para amar

 

Entre nós há algo mais

Que um simples gostar

Um desafio de palavras,

Um certo olhar desconcertante

Um provocar, um hesitar

Um tudo e um nada

Uma corrida parada

E um louco e inesperado gargalhar

Entre nós há um jogo

Uma linha ténue afiada

Um salto no vazio

Um silencio ruidoso

E um quero-te soletrado

Não assumido, velado

Envergonhado, como se temesse

Tropeçar no próprio desejo

Entre nós não passa o ar

E somos só nós

Com um desejo receoso de ficar