Da errância do medo
segunda-feira, 9 de dezembro de 2024
Musicalidades
Fumando memórias
Não recordava quantas vezes a ouvira. Provavelmente, tantas quantas a melancolia lhe enchera os olhos de um vazio baço, virado para as memórias.
quinta-feira, 5 de dezembro de 2024
Manifesto
Desata-se o nó da intolerância
Acentua-se a irritabilidade ferida
Não há paciência sadia
Apenas o desejo maior
De que morra a hipocrisia
Quero uma insanidade por medida
E que venha um terramoto
Que destrua as emoções
Que o desejo esmoreça
Que o amor adoeça
E a tentação adormeça
E que tudo apodreça
Quero berrar que não, não quero
Não me apetece, não me cola
Exijo um silêncio obrigatório
E uma solidão permitida
Decretada, respeitada e sentida
Que hajam multidões, mas mudas
E nem que a morte tudo arrase
Em torno do que de mim resta
Quero uma paz que me impeça
Esta loucura tardia
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Doce desejo
Ontem sorriste-me como
nunca e, naquela noite escura e chuvosa, aproveitei o vento e deixei-o levar-me
até ti. Abracei-te no olhar e rodopiámos no ar como crianças atrevidas, num
movimento contínuo de vida; atrevidamente felizes por entre as gotas de chuva,
bebi-te os lábios nas palavras que os teu olhos me lançavam.
Devido ao vento, ou à tua
presença fremente, acordei a meio da noite, assim de repente, imediatamente
após te ter poisado no chão, num último rodopio sonhado.
Sentado na cama, sozinho
e tonto de tanta dança, senti nos lábios um sabor há muito guardado, um calor
da cor do desejo e com a forma de um beijo, beijado com paixão.
Ontem o vento comprimia a
vidraça da janela do quarto e a chuva tudo lavava excepto a forma desejada do
teu corpo encostado no meu.
quinta-feira, 7 de novembro de 2024
Danças de luz taxadas por palavra ou Como ser alegremente fútil
terça-feira, 20 de agosto de 2024
É tempo de seguir o tempo
É tempo de fazer o balanço
Aos sentimentos
Colhidos por tantos anos
Fragmentos coloridos de
emoções
Formando paisagens doces
Gritos desesperados de
dor
Rios de mágoas que nunca
desaguam
É o final do Outono
Nas pontas das chamas
Que iluminam as noites
mais escuras
Onde cavalgam as
recordações
São as faces, tantas faces
Que em mim habitam
É o canto melancólico do
quase final
Ou a vida em pequenos retalhos
É quase final de Outono
Tempo de balanço
Ao som da introspecção
Organizando as sombras
Dos meus genuínos pecados
E é tempo de sentir o
tempo
Fluir no seu movimento
E preparar a jornada,
Que quase não tarda,
De finalmente o seguir,
De me deixar ir
terça-feira, 13 de agosto de 2024
Na tua sombra
Na tua sombra cabem as
minhas desilusões
Botões de uma rosa
murcha, quase amorfa
Desatinos em fragmentos de emoções
No teu cabelo, maré viva, sonho naufrágios
Porto que não alberga
meus anseios
És miragem, eu deserto
quarta-feira, 3 de abril de 2024
Espero-te
Espero-te
Quando todos tiverem desistido de esperar
Quando o som da rua se calar
E os amantes se despedirem
Espero-te
Quando os sinos da igreja se atrasarem
E os cães vadios se acalmarem
Quando os barcos atracarem
Os botões da rosa se fecharem
E o violino parar de chorar
Espero-te
Mesmo que a madeira se transforme em bengala
E o Inverno se instale de vez
E já não tenha voz para te dizer
Tudo quanto guardei nesta espera
Espero-te
Porque sempre te esperei
Mesmo quando o não sabia
Espero-te
Quando todos tiverem desistido de esperar
Quando o som da rua se calar
E os amantes se despedirem
Espero-te
Quando os sinos da igreja se atrasarem
E os cães vadios se acalmarem
Quando os barcos atracarem
Os botões da rosa se fecharem
E o violino parar de chorar
Espero-te
Mesmo que a madeira se transforme em bengala
E o Inverno se instale de vez
E já não tenha voz para te dizer
Tudo quanto guardei nesta espera
Espero-te
Porque sempre te esperei
Mesmo quando o não sabia
quarta-feira, 29 de novembro de 2023
Ao fim da tarde
É sempre à tarde,
fim de tarde
Que me sento e
observo
O jogo das
sombras nas paredes da sala
E fico assim,
sossegado
Vendo os raios de
luz apagar
E a mancha das
sombras aumentar
É sempre à tarde,
sempre tarde
Que me escondo do
dia
Ao fim do dia
Suspenso me
sinto
Sentado sossegado
Na penumbra dos
dias
Na sombra do meu
tempo
Esperando que
chegue, devagar
O tempo do meu esquecimento
sexta-feira, 4 de agosto de 2023
Que é feito da felicidade?
Se um dia pudesse
ser feliz
Contente só por
ser assim
Sem mágoa, sem
dor
Apenas ser feliz
Se eu pudesse ser
feliz
Teria o sorriso
mais rasgado
O riso mais
sonoro
O tino menos
acertado
Mas seria enfim
feliz
Não sei sentir
felicidade
Sei da dor, sei da
angústia
Sei da triste
ansiedade
Que ansiosamente
me prende
Ao mais mesquinho
que há em mim
E se um dia fosse
assim
Despreocupado e
feliz?
Só feliz...
domingo, 2 de julho de 2023
Que é feito de nós
Diz-me, por onde andam
teus passos
Dá-me uma pista sobre
ti
Sinto o teu
perfume
Sinto a tua pele
Embora há muito
não te veja
Fala-me desta tua
vida
Agora que a ela
não pertenço
Conta-me, mesmo
que não te oiça
Ouvir não conta
quando a voz está bem presente
E dá-me um sorriso,
desses que são
tão teus
Da boca até aos
olhos
Brilhando
intensamente,
Reflectindo nos
olhos meus
Não sei da tua
sombra,
Que da minha se
escondia por instantes
Para depois se entrelaçarem,
Bem unidas, de
mãos dadas
Por esses
passeios da vida
Diz-me, que nada
sei de ti,
Tens sabido de
mim?
Procuraste-me nas
calçadas
Olhaste bem
através das vielas?
Preciso saber se
me procuras
Porque desde que
te perdi,
Nada mais soube
de mim.
sexta-feira, 30 de junho de 2023
Do serrano que há em mim
A porta, em
madeira velha e muito gasta, dava acesso a um pátio exterior largo, feito de
pedra granítica que outros, muito tempo antes, cortaram e endireitaram à mão.
As paredes da casa, vestidas de plantas trepadeiras, creio que eram
buganvílias, davam cor e aroma ao conjunto. As tardes de junho eram perfumadas
nesse pátio virado a oeste. Ao fundo, quase na curvatura do terreno, a vinha e
o olival.
À volta, os contrafortes
da Serra da Estrela recortados por profundos vales por onde circulavam riachos
de água gelada e límpida. Recordo os salgueiros, fortemente enraizados nas
margens, totalmente desgrenhados, folhas e ramos beijando a superfície das
águas. Eram locais de sombra, de erva viçosa, de convite a longas sonecas com
os pés dentro da água.
Aqui e ali um
castanheiro, uma nogueira-imponentes no porte- e uma tília. As tílias eram as
minhas preferidas; perfumavam o ar quente por todo o lado; um perfume
envolvente e calmante. Os blocos de rocha, blocos arredondados de diversos
tamanhos, saídos do solo, pintalgados de líquenes, conviviam com as grandes
árvores. Não sei quem suportava quem, mas eram conjuntos harmoniosos.
Assim eram as
pinceladas serranas da minha juventude em dias em que a primavera há muito
tinha escancarado as suas portas ao verão.
Para mim tudo era
calmo e equilibrado; para mim ainda a primavera da vida estava a começar e não
se imaginava que aquele claro e limpo horizonte tantas vezes mais tarde viesse
a mostrar-se negro escuro, tempestuoso.
Há muito que não
visito esse muito meu espaço da infância e início da juventude, mas sinto-lhe a
falta; por vezes sinto uma saudade imensa desses tempos. Desconfio que não
voltarei a visitá-los; fazê-lo poderia ser uma desilusão e assim preservo estas
memórias que me são caras.
Não, não deverei
voltar aquele local, mas sinto-o, sei-o. Tenho-o entranhado nos ossos, é parte
do meu código genético; é a Serra que há em mim.
sábado, 24 de junho de 2023
Until the end
Disseram-te ser
terminal
Como a última
estação de serviço
Sem qualquer
serviço mais além
Sem sequer um
além onde ir
Disseram-te que não
haveria mais sonho
Nem muito espaço
para respirar
Que nem um fôlego
profundo iria ajudar
Nem o topo de uma
montanha onde ficar
Não sabes o que
sentiste
Foi uma surpresa
brutal
Um imenso
vazio pleno de dor
Um imenso espaço
esvaziado de esperança
Tens uma vida, sabes
que é finita
Mas pensas:
falta
sempre muito para o fim
(Mas nem sempre é o tempo a ditar)
Até que não falta
mais
E chegas ao
terminal
Desfaz-te das
malas,
E em silêncio
Despede-te do que
amas
Arruma os
pensamentos
Arquiva as
memórias
Liberta-te do passado
porque
Ainda tens uma ultima viagem
É interminável,
É indefinida,
É solitária
E não tem retorno
Negra, negra é a cor da esperança.
terça-feira, 13 de junho de 2023
O luar do noitibó
Uma lua imensa
Enchia de luz o
canto mais sinistro da rua
De sons, apenas o
de um noitibó
Parecia chamar-me
Eu, pendurado no
borrão de um cigarro
Fumo dançando ao
vento
Ideias voando por
aí
Um luar intenso
Apelando mais um
pranto ao noitibó
E este correspondendo
Como se me
chamasse
Como se me
escutasse
No meu silêncio
fumado
A preguiça
enchendo-me de brilho
E o cigarro queimou-se
terça-feira, 6 de junho de 2023
Feliz acaso
Um acaso
Uma mudança de percurso
Algo que chama a atenção
Um simples nada que prende
Um momento
Uma partilha
Uma partilha que gera um sorriso
Uma atenção no momento em que atenção é
precisa
Uma mão estendida
A confiança alargada
Um beijo
Depois outro
Uma sequência de olhares
Uma sequência real
Uma real situação
Um devaneio levado ao sério
Um sério caso
Um ocaso por acaso
E um renascer a dois
terça-feira, 30 de maio de 2023
O reflexo
O espelho
devolve-me o tempo
Ampulheta acelerada,
retrata o que é
Quando eu queria
o que foi
O espelho
desfeia-me a ideia
Desmente-me a
ilusão
Enruga-me a memória
Diz-me, em
silêncio, no que me tornei
Espelho, espelho
meu
Há algo mais
ingrato que a realidade?
Ou serei eu,
Que saudoso do
tempo que já foi
Recuso esse reflexo presente
Pálida imagem de
mim
Frio esboço que
sobrou
Essa imagem que vejo espelhada
É tudo quanto resta
Do que há muito se esfumou
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Do fim e da gralha
A gralha, pousada
no muro de pedra rachada
Observa curiosa e
atenta
O manto escuro,
ao fim da tarde
Deitado de lado
sobre as costas encurvadas
Agitando-se ao
vento
Andando depressa
Coberto de negro,
quase de noite
Sob o olhar
atento da gralha
Acima das pedras
do muro rachado
Que o musgo do
tempo mantém de pé
E escuro vai
encurvado, sem se saber para onde,
Na negra noite
primaveril
O vento sopra de
rajada
E da gralha nem
rasto.
E da vida nem som
Curvado sobre o
abismo,
Manto ao vento,
bandeira negra
Réstia de nada
Lá bem longe
Onde já nada existe
Excepto a gralha
quarta-feira, 17 de maio de 2023
Esgotando o desespero
Já nada mais
tenho para te dizer
Esgotei as
palavras conhecidas
Que pensei
dizer-te
E cansei o olhar
a adorar-te
Sempre que
distraída te apanhava
Sequei a
esperança de vencer a cobardia
E te expressar o
quanto revolves o meu peito
Não,
Não creio que
alguma vez venhas a saber
Que por ti seria
capaz de ser fortaleza,
Porto de abrigo,
braço protector
Um mundo de
emoções,
Sentimentos em
turbilhão
Um pateta sem
jeito,
Um perdido de
paixão
Por isso,
E porque não
consigo amar outra qualquer
Brinco às
escondidas com as minhas sombras
Em ruelas
estreitas e escuras
No coração da
cidade
Na zona mais profunda da tristeza
Que os meus olhos
rasos conseguem atingir
E já nada mais há
pelo qual respirar
segunda-feira, 24 de abril de 2023
No fundo de mim
Quantas vezes não
passeei
Por vielas
escuras e fétidas
Ventos de bolor,
escorrendo nas paredes
Vielas de pedra
húmida, pedra imunda
Agarrado a um
cigarro
Cambaleando etilizado
Perdido numa
procura insana
Ou tão só perdido
de razão
Quantas quedas,
quanta lama
Tanto desnorte
roçado no salitre
Da podridão onde
me atolei
Quando hoje
recordo o que passei
Ou melhor, aquilo
a que me forcei
Estremeço só de
pensar
Em voltar a
percorrer essas sujas vielas
Essas podres vias
emocionais
Perfeitos desequilíbrios
comportamentais
Labirintos de
emoção
Ligando cérebro e
coração
sexta-feira, 21 de abril de 2023
A certeza do talvez
Não sei quando te
encontrarei,
Nem sei se alguma
vez te encontrarei
Não mesmo sei onde existes
Mas sei que te
espero
Vives nesta
melancolia
Que me prende a nada o
olhar
Neste respirar
suspirado
Que me deixa
vazio de ar
Sinto-te em cada
Estação
Na brisa suave
dos fins de tarde
Sinto-te na
espuma das ondas
Que me banham os
pés
Não sei onde
estás
Não te vejo, não
te oiço
Apenas sei que te
sinto
Algures neste
mundo
E espero, no ar
que respiro
No horizonte que
observo
Na esperança que
me move
Espero o momento
do encontro
O momento em que
todas as palavras me serão vedadas
Em que perderei a
compostura
E idiotamente
ficarei especado
Olhar bem fixo em
ti
Olhos destilando
o tanto que te quero
E o quanto te
esperei
____________________________
Hoje gostaria de ser um cavalo selvagem, galopando numa imensa pradaria
quarta-feira, 5 de abril de 2023
O princípio da dor
Não!
Não quero
deslizar os dedos no contorno dos teus lábios
Não quero
descobrir os sulcos dos teus olhos
Nem provar o teu
sabor
Não quero
pegar-te pelas mãos
E rodopiar
contigo ao som de uma musica qualquer
Mas cometi o erro
de te sentir o cheiro
De bailar nos
teus lábios
De saborear-te as
palavras
Que debitavas
pelos olhos
Não, repito para mim
Não voltas a
deslumbrar-te
Não vais
permitir-te sentir
Não voltarás a
envolver-te
Em vão
Porque é sempre
assim o princípio da dor
Quando a
realidade nos atinge
A magia termina de
repente
E o mundo, de súbito,
sabe a fel
E vem o desatino
da recordação
E a certeza de
que aquela dança de olhares,
Não voltará a acontecer
E na ressaca da dor
escutas na tua mente:
Não, não voltas,
não irás permitir-te,
não mais sentirás
quarta-feira, 29 de março de 2023
Momentos difusos
Não é essa imagem reflectida no espelho
que recordam as paredes da casa.
Para elas o tempo não altera faces
Para ele nada pode manter-se inalterado
A casa já não te reconhece
A rua deixou de ter sentido
E o largo onde outrora jogaste à bola
já não existe
Que é feito desse tempo primaveril?
Já nada é desse mundo que recordas
E, no entanto, olhas o presente
e não o sentes teu.
Ouve-se uma melodia muito ao longe,
memória indistinta.
Já tudo é enublado
E nem o sol te aquece os ossos.
Será tempo de voltar?
sábado, 11 de março de 2023
Um caso perdido
Tantos, tantos
anos passados
Tantos filmes
rodados
Quantos planos
desenhados
Quantos finais
desejados
E quantos
fracassados
O nevoeiro chegou
Tardiamente
Um cigarro
perdido no canto da boca
Uma palavra
entalada na garganta
Uma vontade de
andar
Um desejo breve de
ficar
Há uma estrada
que espera
Um caminho a
percorrer
(solitário)
Uma ave negra atenta,
Uma música lenta
Uma ladainha a
contar
Um caso de amor
por desvendar
É uma cicatriz
ferida
Uma humidade entranhada
Um suspiro
vencido
Um olhar perdido
(Outrora convencido)
Uma imagem
gravada
E um caminho por
fazer
Ou um fim por
atingir
Já tanto faz e
tudo serve
Quando a dor
persiste
(E aquela música persiste
E magoa)
terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
Da louca sedução
Por vezes, ao fim
da tarde, naqueles momentos em que o sol já baixo no horizonte, nos presenteia
com uma luz difusa e mágica, eu acredito ouvir os seus passos breves e ligeiros
no corredor. E uma fragância fresca frutada, como a que usava, aflora-me as
narinas. São breves instantes de breve loucura, momentos de ilusão que me
permitem manter um certo equilíbrio emocional, em particular quando a bendita
solidão me ataca de mansinho e me embala no seu canto irresistível.
É terrivelmente cativante
a solidão, apenas suplantada pela tristeza.
Esta última seduz-nos,
envolve-nos, apodera-se da nossa vontade e alimenta-se das nossas fraquezas.
Por isso essa
breve ilusão de a sentir, tanto tempo depois, sempre que a luz obliquamente
breve do sol brinca no meu soalho, é um escudo que me protege da solidão e da
tristeza por instantes, embora eu, infalivelmente me volte a render a ambas e a
adormecer nos seus braços a cada noite.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
Da dor e do tempo
Sei que nunca te
contei
(Porque
egoisticamente guardei para mim)
Desse teu jeito
tão peculiar ao dormir
Cabeça tombada
sobre o meu peito
Sorriso maroto de
garota feliz
Sei-te os
percursos da pele
De olhos fechados
Caminho
acetinado, mapa perfumado
E, enquanto
descansas sobre o meu peito sei
Sei que um dia te
perderei
Porque não
consigo parar o tempo
Porque me é
impossível congelar o momento
Um dia, eu sei
Um de nós não
mais erguerá a cabeça
Não mais olhará o
outro nos olhos
Os mesmos que
olhando dizem tanto do amor que não se diz
Sei que nunca te
contei
Deste medo de
ficar mudo
De querer falar e
não ter voz
Do silêncio cego
e da ausência
De ti, meu amor.
domingo, 22 de janeiro de 2023
Estas partes de mim
Muitas vezes
pergunto
O que seria de
mim
Se uma parte do
que sou
Viesse a saber da outra parte de mim
E sinto uma
angústia,
Um desconforto,
enfim
Pensando se, por
absurdo,
As duas partes se
conhecessem
E falassem de mim
E quando, finalmente,
Cientes do todo,
Conscientes do que habita em mim,
Que passariam a ser,
Em que todo me
tornariam
Estas duas partes
de mim
Ai de mim.
segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
Sentimentos profundos
A rua era estreita e íngreme. As
casas, estreitas e altas, escorriam humidade pelas cicatrizes centenárias.
O chão, de calhau rolado, era
um ringue de patinagem no inverno. O sol dificilmente descia às pedras e o
cheiro a mofo ira como um perfume de marca.
A minha cidade tinha uma parte
muito antiga, corroidamente velha, deliciosamente genuína, onde as casas eram
testemunhas das estórias vividas naquelas ruas estreitas e essas mesmas
testemunhavam muitas cenas caseiras. Eram como as velhas intriguistas, as casas
e as ruas empedradas.
No verão, no quente verão da
minha cidade, era um descanso passar por essas ruas frescas, amenas, calmantes.
A minha cidade, a minha velha
cidade é um misto de encanto e sedução. E é só minha.
Há muito que deixei de a
habitar; visito-a, de fugida porque me dói a transformação que se tem operado.
Não porque esteja pior, mas porque as minhas imagens dela são outras, são mais
bonitas, são vistas pelos olhos de uma criança e pelos de um adolescente e,
finalmente de um jovem adulto.
E essas sim, são as imagens da
minha verdadeira cidade, aquelas que preservo e amo.
Por isso as suas ruas
continuam ingremes e estreitas e as casas suam a sua velha podridão, libertando
um perfume bafiento único. E assim igualei a minha cidade, envelhecendo cada um
ao ritmo do seu tempo.
É bela a minha cidade, conquistando a serra, afagando o rio que a banha.
E é só minha porque mais ninguém a vê como eu sempre a fui vendo.
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023
Loucura 5 - A outra face do amor
Parti sentindo a
perda
Quebrei o
contacto
Desfiz a ligação
Senti a falta
Plenamente vazio
Perfeitamente desfeito
Parti, quebrado,
vazio
O tempo passou
O Inverno
suavizou
A lua encheu de
novo
E hoje olho as
cicatrizes
Sem dor
Sei que pode
repetir-se
Embora não queira
Mas sei que não
domino
Os caminhos da
lua
Que seja cheia
Se assim tiver de
acontecer
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
Loucura 4 - O Caminho para amar
Entre nós há algo
mais
Que um simples
gostar
Um desafio de
palavras,
Um certo olhar desconcertante
Um provocar, um hesitar
Um tudo e um nada
Uma corrida
parada
E um louco e
inesperado gargalhar
Entre nós há um
jogo
Uma linha ténue
afiada
Um salto no vazio
Um silencio
ruidoso
E um quero-te
soletrado
Não assumido,
velado
Envergonhado,
como se temesse
Tropeçar no
próprio desejo
Entre nós não
passa o ar
E somos só nós
Com um desejo
receoso de ficar
quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
Loucura 3 - Medos
É quase fim de ano; quase fim de ciclo, cada vez mais quase um fim.
É doloroso pensar no fim; mas este é o fim de ano, chamemos-lhe assim. E assim alcunhado deixa de ser doloroso e passa a ser alegre, um pouco melancólico talvez, mas supostamente divertido.
Por isso ergam-se os copos cheios de nada, brinde-se a coisas vazias de significado e embriaguemo-nos de uma falsa esperança.
Haja paz na terra e silêncio nas campas; o mundo é um imenso cemitério...
a preto e branco
E não convém incomodar os moradores.